Sobre a poesia e a necessidade

Dinarte Albuquerque Filho

Vira e mexe me perguntaram sobre o ato de escrever poesia. O que reside neste gesto, nesta atitude. Queriam saber se todos os poetas escrevem seus poemas por uma motivação superior ou algo do gênero.

Sempre que re-penso a questão, torno a uma questão básica, creio. A poesia, digo, vem da necessidade, vem da oportunidade, vem do casual e do banal, nasce naquele momento de arrebatamento, de magia, de encantamento; mas ela também é parida a fórceps nos instantes em que o mundo rui, ruge, abre fissuras sobre os pés e nuvens negras cobrem a cabeça.

Ela só não vem por acaso, como às vezes pode parecer; antes disso: resulta de leituras antigas e atuais, de outros poetas e outros estetas, nas artes plásticas, nas artes elásticas e plurais. Na vida que emana das ruas, nos shoppings e nas esquinas mais sórdidas; nos salões que hoje estão na memória, assim como nos bares que habitam o inconsciente por mimese de outros tempos, outras noites. No saguão de espera da clínica e no encontro com amigos, recorrentes ou fugidios.

A poesia também é insight, sendo resultado de uma elaboração que se procura justificar mas nunca se completa. Movido por uma necessidade inexplicável da autoexplicação, o poeta envereda pelos conceitos clássicos ou por conceitos geridos pela urgência de nominar o inominável. Às vezes a felicidade bate à porta e as palavras amenizam essa necessidade; porém, todos sabemos, até mesmo a palavra se ressente de sua incompletude. Sempre fica um querer que não é satisfeito – não por acaso se sucedem livros e mais livros sobre o tema, teorias fundadoras e outras que sequer provocam marolas na superfície.

E também, por vezes, encontramos a metapoesia, outra tentativa maravilhosa – por gerar poemas incríveis – e ao mesmo tempo fútil e presunçosa – por criar arremedos de poesia. Como em todos os outros exercícios do fazer poético.

Não sei se é certo afirmar que escrever um poema depende de instrução. Ou de intuição. De fruição. De estar amando ou a mando. O certo é que prolifera poesia em toda a esquina, que mais e mais pessoas se julgam poetas ou, mais tímidos-humildes dizem que arriscam uns versinhos aqui e mais adiante, sem pretensão – a não ser a de ser lido, mesmo que seja pelo amigo, amiga, parente; mesmo que às vezes não se consiga ficar longe das serpentes!

Escrever poesia já foi explicada com um credo, um dom, um cacoete, uma necessidade; é um ofício, é um modo de viver e de ver o mundo, um modo de driblar a angústia e expressar a alegria de estar vivo. Escrever poesia é um suspiro, um respiro, um muxoxo, um prazer, um sadismo, um impulso e uma samsara. É autoconhecimento.

É encarnar Paulo Leminski e Drummond, Olga Savary e Emily Dickinson, Withman e Mallarmé, Bashô e[m] Cruz e Sousa; seja lá quem for é sempre uma pretendida descoberta ou redenção. Quem sabe as palavras que se formam e desacomodam revelem a verdadeira identidade de quem escreve? Quem pode saber? O crítico?

O crítico muitas vezes desanca pois nem ele aguenta o tranco. Justifica-se que há muito do mesmo, na gana insana de sempre querer o novo, sem saber o que é novo neste mundo de minutos que parecem segundos, nesta vida que parece piada, que parece martírio, que perece sem que saibamos, muitas vezes, o que é o tal do amor intransitivo. O crítico, dizem por aí, é o poeta que não deu certo. Dizem. Dizem tantas coisas, dizem até que o poeta largou da poesia.

E o quanto é necessário amar para poetar? O quanto é preciso sofrer para se salvar? O quanto é necessário se dar para alcançar a graça divina? O quanto é preciso sonhar? E fazer? E o que fazer com tudo isso que nos é oferecido pela palavra, com a palavra, senão... poesia?

Ou novas perguntas, reinvenções, talvez.

 

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