Alma analógica

Letícia Möller

Apesar das facilidades da tecnologia digital na palma da mão, mantenho certos hábitos arcaicos: escrevo bilhetes, anoto compromissos em agenda de papel, uso caderno de receitas, faço lista de tudo o que é coisa (supermercado, lembretes do dia, metas do ano, do mês, da semana) e sempre começo minhas histórias escrevendo à mão. Odeio ler literatura em tablets e também não gosto de ler qualquer texto com mais de quatro páginas em formato eletrônico (sim, eu imprimo muito, confesso).

Sou uma pessoa feliz dentro de livrarias e bibliotecas, e também não resisto a uma papelaria. Adoro cadernos, agendas, diários, bloquinhos, cartões, envelopes, papéis de todo tipo. Cheiro as folhas, sinto as texturas, analiso as diferentes gramaturas. Chego até a me comover com embalagens de papel pardo.

No fundo, acho que me adaptaria sem maiores traumas a fazer muito mais com as ferramentas digitais. Talvez abrir mão do papel para várias coisas não fosse ser tão difícil. Então por que insistir com costumes velhos e, admito, pouco ecológicos? Tenho me perguntado. Afinal, para tantas coisas mergulhei de cabeça no mundo digital. Quase não pego o telefone (telefone?) para falar com alguém, me informo sobre as notícias da família e amigos, no mais das vezes, por whatsapp, e conheci em uma rede social muita gente com quem sinto ter algumas afinidades - gente que nunca vi pessoalmente e talvez nunca veja.

Ainda assim, amo papel e cultivo com certo orgulho minha meia dúzia de hábitos analógicos. Pensando um pouco, cheguei à conclusão de que manter esses hábitos me conecta com a menina e a adolescente que eu fui. Era no papel que a minha imaginação se expressava melhor, que eu dava forma a ideias, emoções e sonhos. Era no papel que eu brincava (de stop, forca, jogo da velha), escrevia cartas às amigas, escondia bilhetes para a minha prima na casa da minha avó, segredava em meu diário, anotava promessas de ano novo, inventava histórias e poemas, e criava revistas e jornais domésticos.

Hoje, fazendo as minhas listinhas e rabiscando nos meus leais cadernos, quero crer que não rompi totalmente com aquela menina que não podia viver sem papel. Nesses tempos de amplo domínio digital, me entrego aos seus encantos, é certo, mas me armo até os dentes para defender meu direito de ser, ainda que só em alguma mísera parte, uma alma analógica.

 

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Décio Oliveira Elias,
Rio de Janeiro, RJ

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