Sua Itália já estava perdida
Vinicius Galeazzi
O romance "Jogos de Memória" da Maria Rosa Fontebasso tem um
enredo enredado nas suas memórias pessoais. Tem por ter, não
precisava. A autora impressiona porque, corajosa, não se intimidou
de lançar a público seus momentos mais Ãntimos, aqueles que se
guarda na caixa de fotografias antigas, como os que se reserva
somente para os amigos mais próximos. Faz seus leitores confidentes
e coniventes de suas emoções, convicções, de seus desejos. De suas
buscas. E assim despojada e entregue, fica-se frente a frente a uma
menina/moça/mulher/mãe/avó, emigrante italiana aos oito anos, muito
sensÃvel, se desmancha de tão humana, gentil e prestativa.
Dividida entre duas pátrias, parece ter também uma vida dividida,
insatisfeita, sempre buscando, sempre buscando aquilo que a sina
lhe privou, quando moça, quando mãe, quando perdeu a cidadania
italiana para poder trabalhar, quando ralou sozinha para criar os
filhos e só depois, como avó e aposentada, pode realizar o que
sempre quis fazer, ler e escrever. A vida é/foi uma busca
constante, não só pelo enredo do romance que age como uma linha que
costura o mosaico de recortes de memória que vão e voltam e descem
e sobem. E também não interessa se houve ou se não houve o motivo
da busca, a vida tenta esconder sua finitude, nos distraindo o
tempo todo, impulsionando-nos a buscar mais e mais dela própria.
A gente pode ficar intrigado com o ir e vir à Itália e aos diversos
momentos da vida descontÃnuos, assim como gastar leitura com coisas
que, parece, não têm nada a ver. Mas achei que mexer com a memória
é assim mesmo: é como furungar numa gaveta a procurar um documento
esquecido importante, a gente lê tudo que encontra e gasta tempo
deliciando-se numa reedificação de si próprio, desde bulas de
remédio a resumos do colégio.
A emigrante italiana, que narra sua vida, nasceu no meio de uma
guerra, quando sua Itália já estava perdida e submissa. Essa
situação insólita designou seu destino noutro paÃs. Isso é triste,
mas não se vê no romance amargura, choro e lástima. É meiga ao
tratar de suas memórias lá. Não lastima, só quer saber o porquê das
coisas, no fundo, o significado da vida.
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