Estamos Quites, de Jorge Fróes

Sidnei Schneider

 

Primeiro livro individual de Jorge Fróes, Estamos quites (Vidraguás/ Escola de Poesia: 2015)é a seleção de uma vida de escritos sem o dano da pressa e com o rigor efetivo de poeta. Se antologias, jornais e revistas veicularam sua poesia, agora colhe na unidade do livro a fabricação do melhor.

 

Negro, o poema que abre o volume, desarma uma frase-ofensa, recoloca-a no seu devido lugar e reduz ao ridículo o ofensor. Exala superioridade moral, consciência política do ser negro, salientada através da tranquilidade de ser dono de si. Não que o bate-pronto tenha deixado de ter lugar: se for o caso, já defendia Cruz e Sousa, “Bendita seja a negra boca/ Que tão malditas coisas diz!” Mas sentir a força que se tem não é tarefa fácil, mesmo em se tratando da força de um povo inteiro. Além de inegável habilidade para a poesia, é precisoter incorporado a disposição de luta e a visão ampla de Zumbi, José do Patrocínio, Luís Gama e muitos outros; sentir no sangue o que passa por Palmares, pela sublevação até o fim da escravatura e pela progressiva luta pela soberania.

 

NEGRO

 

“Negro é negro mesmo”

Negro é negro mesmo

Negro é negro mesmo

E o que haveríamos de ser

Apesar de todas as armadilhas

(roxo, amarelo, verde)?

“Negro é Negro mesmo”

Com muito orgulho. Negro é

Negro mesmo.

 

A saga continua, “Minha força não aceita/ comparação com o Super-Homem”, “Minha força luta todos os dias,/ por casa, comida, lazer;/ dignidade para a vida humana”, e reverencia o poeta de Encontrei minhas raízes, o amigo Oliveira Silveira: “Eis que me descobri,/ E me descobrindo, descobri/ que minha força é/ uma Força Negra” (Descoberta). Visto que, sem a presença do amigo, “Há fogo, mas não a chama acesa” (A falta).

 

O central é a justiça, não só a histórica, o desejo de ser justo a cada evento: Esquecer dói mais que lembrar” (Mar), “Aquilo que não foi pintado./ É o que desejo ver”, sobre Debret (Autorretrato em aquarela), “Há dias em que algumas palavras/ soam como bombas. Ciente disso/ é que as escolho como quem escolhe/ uma roupa, um livro, uma fruta” (As palavras). E um já clássico: “Danço porque o vento dança,/ as flores, os bichos,/ e esta é minha forma de integração./ Danço para que lanças-de-desrespeito/ não me atinjam,/ sobretudo danço,/ porque vozes do passado cantam/ e eu respondo” (Danço).

 

A sedução da mercadoria, numa época em que o mercado se esvai e é substituído pelo monopólio e seu marketing excessivo, gera poema singular: “Diferente das lojas/ de bichos, não pulam,/ não latem, não cantam,/ mas silenciosamente/ imploram” (Os sapatos). Adiante, o tema é retomado: “Como é possível os objetos/ falarem mais que as pessoas?” (Ausência). Porque importantes são “os livros, os amigos e a amada” (Oração). O que se vende e se compra resulta num verso: “Você sabe o que é um negro?” (A escravidão).

 

Jorge é mestre na surpresa ao convocar o humor: “Sim, seremos firmes e inarredáveis!/ Veio a chuva/ e todos corremos” (A balada dos inarredáveis). Após listar a terrível situação que enfrenta a maioria, refuta qualquer aceitação cotidiana do inaceitável através do seu contrário: “Eu vou para casa/ ligo a TV e dou risada”. (Um poema de horror). E é craque nos versos finais: “A tua volta fundou meu abandono” (Da volta da ida), “Agora, vazio de métodos,/ aguardo o amor” (Regresso).

 

O objetivo do poeta: fazer um poema tão bom que possa ser trocado por uma cuca (Cuca e poesia), defender-se do ataque através de salto-mortal que desconcerte, “o golpe que não toca” (O diabo). Através da reiteração do melhor que alguém pode oferecer, este melhor ganha novos significados em Fundo. Jorge incorporou noção semelhante à de Seu Nenê da Vila Matilde, a quem tive a honra de conhecer, “Se não lutar e não fizer bem feito, não fica nada para o futuro”, e prossegue quites enquanto criador.

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Prefácio do livro, acrescido do poema Negro, disponibilizado pelo autor.

 

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