O começar de seu romance ou novela, constitui a sua assinatura de um pacto entre você e seu provável leitor. Aliás, o leitor sempre será alguém muito próximo de você mesmo, aquele com quem você vai se comunicar por um tempo considerável, observando, sentindo a presença e escrevendo, de coração aberto. No parágrafo inicial procure apresentar apenas um personagem. Ou dois - no máximo. Devem ser relevantes e consistentes. Já nas páginas que seguem, traga para as cenas os demais personagens, porém num ritmo mais pausado, mais lento.
No primeiro capÃtulo, nada de certo entrevero ou envolvimento inoportuno entre os personagens. Isto virá com o tempo. Tampouco algo muito vago provocando névoa e indecisões de quem é quem, em quais tempos ou espaços se encontram. Isto desanima o seu leitor. Não deixa claro. E clareza é essencial. Você não está escrevendo para você mesmo. Lembre-se. Há um suposto leitor perto de você.
MuitÃssimo importante é a apresentação do conflito. É o que o instiga para a leitura. Para manter o leitor interessado desde o inÃcio, segure-o pelo conflito do personagem já no inÃcio, sem divagações, sem mistérios. Se optar por algo misterioso, reserve para o andar da narrativa, sem pressa. Para um livro de muitas páginas, o conflito pode ir se dilatando, pois que há muito a declarar. Para uma novela, ou algo de poucas páginas, apresente o conflito no inÃcio, nas primeiras cinco páginas. Deixe clara a questão essencial do personagem - aquilo que é determinante para o seu existir (dele) e que o motiva ( a ele) para seguir seu objetivo. Custe a ele o que custar. É a certeza de que seu leitor não abandonará sua história.
O segundo capÃtulo, em sequência, deve apresentar os fatores externos - os embates - que se opõem aos objetivos do protagonista. Em razão da sua questão essencial, de vencer, principalmente.
Em "Homem no escuro", o autor Paul Auster começa assim o romance, em seu primeiro parágrafo da obra:
"Estou sozinho no escuro, faço o mundo dar voltas dentro de minha cabeça, enquanto enfrento mais um ataque de insônia, mais uma noite branca no vasto deserto americano. No andar de cima, minha filha e minha neta estão dormindo em seus quartos, cada uma sozinha.
Miriam, de quarenta e sete anos, minha filha única, que dorme sozinha há cinco anos, e Katya, de vinte e três, filha única de Miriam, que antes dormia com um rapaz chamado Titus Small, mas Titus morreu e agora Katya dorme sozinha, com o coração partido."
Observe o quanto de dados o autor revela nas poucas linhas de um primeiro parágrafo. O leitor considera, de saÃda, qual o tema, o estilo e o tom da narrativa, inseridos em toda a obra.
O espaço está delimitado, assim como o tempo - é noite e todos, na casa, dormem.
Pelas observações do narrador em primeira pessoa, temos de antemão a presença da situação de conflito - a solidão está retratada.
E a morte - a neta dorme só e com o coração partido. O leitor aceita o convite para leitura de algo que se abre com tamanha força estilÃstica. E força narrativa, em especial.
O final da narrativa oferece ao leitor a oportunidade de participação na elaboração do
desfecho, usando do seu imaginário de leitor quanto a si mesmo, seus próprios desejos, valores e frustrações. É um final que deverá ter, no mÃnimo, transitado a partir do começo. Deixar tudo ou muito para a última página pode trazer incoerência e insatisfação ao leitor. O tempo, neste caso, será curto demais para resolver o conflito numa solução rápida e não convincente. Ou pior, para oferecer uma solução, no caso, mágica.
Ao final da narrativa longa - do seu romance ou novela - use da mesma clareza que foi usada no inÃcio. O leitor precisa saber o que aconteceu com o personagem. Não podem ficar dúvidas sobre quem é quem, quem fala o quê, em que lugar transcorre a última cena , e em qual momento acontece a cena final.
A solução do conflito jamais oferece uma transformação do personagem. Como na vida real, tampouco o personagem muda o caráter ou mesmo, sentimentos e emoções. O que sucede, de fato, é uma alteração da percepção do personagem acerca do que o motivou a buscar a solução para si, frente à situação conflituosa. Em geral, um momento precedido de uma enorme tensão. Onde o personagem se amolda, se ajusta, se equilibra, na maioria das vezes. É a possibilidade que o autor lhe ofereceu, considerando toda a história narrada. A única - absoluta e corajosa.
É o que nos apresenta Paul Auster no final do seu "Homem no escuro" - a aceitação, numa visão humanÃstica.