A literatura infantil teve seu começo na tradição oral. Com o tempo surgiu o livro impresso dedicado à infância. A ilustração passou a ser incorporada ao texto numa relação de subordinação à história narrada em palavras. Todo o valor da história estava na palavra escrita e as ilustrações se subordinavam ao texto, sem maiores critérios.
As interpretações mudaram com o tempo. Nos dias atuais, o livro infantil conta histórias cada vez mais relacionadas à informação pictórica. É um trabalho conjunto a partir de duas interpretações das mesmas cenas ou mesmos fatos – uma pelo narrar do escritor e outra pelo olhar do ilustrador. Ambos, escritor e ilustrador, são os autores do livro infantil, estabelecendo relação de coerência com o texto literário. Não há convergência ou equivalência absoluta entre texto e lustração, em razão das diferenças entre as linguagens verbal e a linguagem visual.
A principal função da ilustração é, pois, compor, junto com o texto, uma construção narrativa verbal e visual ao mesmo tempo. A ilustração pertence às artes do espaço e o texto pertence às artes do tempo. Tempo e espaço andam juntos na história narrada.
Ilustrar é trazer a luz, iluminar. A imagem criada resulta em uma ilustração quando coincide com o conteúdo apresentado no texto. A ilustração amplia, adiciona informações ou até mesmo cria no leitor novas possibilidades de leitura do texto verbal. Mas é preciso reconhecer que ela não tem função isolada, está ali somente em relação ao texto.
O texto pode prescindir de ilustração e ainda assim, consistir em obra de qualidade para a infância? E o livro que traz somente ilustrações, isento de texto, pode revelar uma narrativa única, apenas pelo olhar? Ou faz recorrer a várias possibilidades de narrativas? E ainda assim, pode ser considerada literatura?
Estas são perguntas que se pode levantar e que admitem discussão e pontos de vista desencontrados. Tivemos, não muito distante, a febre dos livros para colorir, onde constavam apenas imagens. Ali não havia qualquer intenção em se nomear literatura. O interesse durou pouquÃssimo tempo. Mas surgem outros livros com tal interesse, onde constam apenas imagens, sem a função, como dito acima, de trazer luz, e luz a algo inexistente, uma vez que não há texto.
Meu entendimento sobre literatura infantil, me leva a concluir que estes novos livros (ou nem tão novos), são livros de imagens – mais a serviço das artes visuais. Literatura é palavra escrita, é sempre texto, acompanhado ou não de imagens.
No caso do livro intitulado “Pinta uma história pra mim”, que não traz ilustrações, mas apresenta espaços destinados às imagens a serem criadas ao longo de toda obra, minha intenção, como autora do texto, foi a de experimentar a interatividade entre escritor e leitor.
Embutido no processo de criação do livro interativo estão:
- a interpretação da história oferecida pelo texto
- a abertura para a complementaridade através da criação de ilustração pelo leitor, na função de ilustrador.
A página de abertura do livro traz o convite para tal empenho. Que o leitor leia a história, crie as ilustrações e assine na página, como ilustrador/autor. Literalmente. Solicitação esta da escritora, mas principalmente, da personagem da história que vem a ser narrada.
Venho recebendo resposta positiva à questão da interatividade, de parte de pequenos leitores, através de imagens enviadas, onde os espaços destinados às ilustrações foram preenchidos com desenhos que estabelecem conexão entre palavra e ilustração.
Não chego a uma conclusão imediata, porém, venho acompanhando com certo entusiasmo tal experimentalismo no campo da literatura infantil. É algo que merece estudo mais amplo, para o qual, como autora, me disponho a viabilizar. Talvez se constitua num possÃvel olhar para a literatura infantil, numa experiência com resultados, inclusive econômicos, em tempos de fastio literário em virtude da pandemia.
Em oficina desenvolvida na 24ªFeira do Livro de Gramado, onde atuei numa escola, uma observação foi relevante – o interesse das crianças em acompanhar a história em seus detalhes, antes do envolvimento com a criação de imagem. Um reconhecimento da leitura como matéria essencial e impulsionadora.