Vitórias

por Jacira Fagundes

Foi durante minha participação no Projeto LeiturAção, em que fui contratada para 3 dias de encontro com escolas da rede, em São Leopoldo, que tive a grata satisfação de conhecer, entre tantas crianças ávidas por uma aproximação com a autora, uma menina que permanece na lembrança até hoje.

Chamava-se Vitória. Por alguma razão especial, Vitória chegou-se a mim num intervalo e segurou-me a mão. Tinha um olhar insistente que pedia atenção, aquele tipo de olhar de criança que solicita, talvez, um carinho especial.

Logo, fui chamada ao palco para atendimento a um novo grupo. Autores que visitam escolas em feiras experimentam este atropelo entre os vários grupos de alunos – todos querem ouvir a palavra do escritor que sai do livro e vem até eles, em carne e osso. E, por vezes – em lágrimas.

Foi no intervalo para almoço que seria na própria escola, que eu senti o insistente olhar de Vitória posto em mim. Dei um abano e ela me respondeu com um sorriso. As demais crianças já haviam retornado às suas casas e, após o almoço, outra leva de alunos viria para o encontro à tarde. Havia pressa.

Curiosa, perguntei em voz baixa à coordenadora porque Vitória não fora para casa como as outras crianças. Ainda me emociono com a resposta. Vitória passava o dia na escola onde respondia muito bem ao aprendizado. Vivia uma situação de desamparo – após um tempo em abrigo, passara para as mãos de famílias pagas com dinheiro público para cuidá-la. Estava na segunda família acolhedora que a recebera, porém, com várias bocas para alimentar. Muito provável que, aos seus 8 ou 9 anos, passaria a uma terceira família.

Ao me dirigir ao refeitório com as professoras, parei para conversar com Vitória. E fiz a ela uma promessa – que ainda escreveria uma história muito bonita em que a personagem se chamaria Vitória em homenagem a ela. Tomei a iniciativa de abraçá-la. Ela se deixou abraçar, me devolveu um sorriso e depois correu para o refeitório.

Conheci a segunda Vitória na visita feita a outra escola. Uma Vitória alegre, uns poucos anos mais velha do que a primeira , muitíssimo interessada durante todo o tempo em que desenvolvi as atividades junto com mais duas alunas da oficina literária que ministro. Fiquei sabendo pela sua professora, que Vitória coordena o grupo de mediadores de leitura, criado na Escola Saint Hilaire, na Lomba do Pinheiro, onde é aluna exemplar.

Tive a grata oportunidade de conversar, num dos intervalos, com o grupo de alunos mediadores de leitura. Ao cumprimentar Vitória pelo trabalho que desenvolvia em prol da leitura, voltei à promessa: escreveria um livro dedicado às duas Vitórias que havia encontrado no meu caminho literário em visita a escolas.

Estou, no presente momento, cumprindo a promessa a uma e a outra. O livro “Pinta uma história pra mim” que vem sendo programado na editora, com publicação prevista para maio, traz a força e a coragem da protagonista Vitória ao superar momentos difíceis e temerosos.

A primeira Vitória – a de olhar triste e penetrante – continuará presa à minha memória. Mas estarei sempre na torcida por uma cartada do destino.

Já a segunda Vitória tem me acompanhado nas redes sociais, desde aquela data. É destaque nas minhas postagens e me presenteou com um vídeo recentemente. Logo terá o livro em mãos com dedicatória.

E a ficcional – a Vitória personagem do livro – viverá a sua própria história. Porém, de semelhante às suas idealizadoras, terá a obstinação em vencer os obstáculos que a vida impõe.

 

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