Entra em cartaz nas salas de cinema, esta semana, mais um filme abordando o terror. Ainda não vi, mas com certeza, irei ver. Acredito, pelas indicações, que não é daqueles filmes americanóides com efeitos especiais a exaustão. Com o único objetivo de entretenimento e de provocar medo. Destes, houve e ainda haverá muitos. Mas esta parece ser uma produção no mínimo bem feita.
Invasão Zumbi é uma película sul-coreana do diretor Yeon Sang-ho. O filme pretende inovar na abordagem do tema fantástico ao misturar terror a dramas familiares e ainda apresentar questionamentos de ordem social e política. Este aspecto, por si só, já me diz da qualidade da produção.
A arte cinematográfica, assim como a literária, mexe com nosso imaginário ao criar ficção. Mas não pode se limitar apenas ao mundo irreal. Aproximar-nos de uma realidade talvez possível, mesmo que cheia de incertezas e descréditos em relação a mortos-vivos no caso de zumbis; trazer à tona sentimentos e comportamentos cruéis dos humanos de carne e osso; sugerir comparações entre uns e outros reacendendo inquietações e desconforto, parece ser a tônica que deve reger o cinema e a literatura.
A realidade embutida nas cenas de terror e que nos faz pensar e temer, com certeza, não se encontra tão distante dos livros e das telas de cinema quanto gostaríamos.
De algum tempo venho perseguindo a temática do horror em minhas criações literárias. Publiquei “O quadro na parede” em 2012 e recentemente “O legado – as fantásticas histórias de J. Corellon”. Em ambas as publicações, meu foco foram mortos-vivos conhecidos por zumbis. Eu os prefiro aos vampiros ou aos extra terrestres por uma razão bem peculiar. Nunca presenciei ações de um vampiro ou de um ET. Mas circulo entre zumbis cotidianamente. Ou, melhor dito, entre aqueles que, a julgar pelas aparências, parecem expor de propósito as mutilações, a deterioração e a putrefação do corpo, como se fossem zumbis desde sempre.
Os zumbis da vida real, em quem meu olhar deposita muita pena misturada a um outro tanto de rejeição, estão por toda parte. A cada dia ou a cada hora proliferam indivíduos que perambulam pelas ruas da cidade arrastando suas diminutas misérias, dormindo em qualquer canto, desabrigados do frio e da chuva e do sol inclemente, alimentando-se de restos infectos encontrados nas lixeiras, dependentes de toda sorte de vícios, a morte transparente nos olhares vazios de esperança.
Como no filme sul-coreano, eu os trago para a literatura e nos livros eles ganham espaço ao se constituírem numa metáfora. Mais do que histórias de zumbis, pretendo trazer situações de convívio extremo entre os vivos e os mortos-vivos em problemáticas existenciais como, por ex., a extinção de espécies animais ou o ato irresponsável de predação da natureza, ou ainda o jogo da morte.
São estes os personagens zumbis, dos quais me aproprio no intuito de refletir a questão político- social das cidades e dos seus habitantes. Eles fazem suas próprias histórias, à sombra de um mundo que os hostiliza e os amedronta. Bem mais do que eles ao mundo.
No entorno, vivemos nós, os entes civilizados que habitam casas e apartamentos com algum conforto, com acesso a educação e a trabalho digno, saudáveis e bem cuidados. No andar superior da pirâmide social, vivem os mais abastados e os detentores do poder, cidadãos responsáveis e condutores da ordem pública e privada.
Todos, pessoas que gozam de extrema confiabilidade e legitimidade, até prova em contrário, como se tem observado nestes tempos bicudos.
Porém, como sugere o filme, ninguém está a salvo de vir a tornar-se ameaçador, monstruoso e irreconhecível, levado pelo preconceito, pela ganância, pela esperteza e pela indiferença e ainda com o disfarce da aparência de cidadão de bem. Nem mesmo você ou eu.
A crítica aponta que o filme agrada aos adeptos do terror. Mas igualmente a quem não curte o gênero.
É apostar e conferir.