Estamos chegando lá. É o que me parece.
Cada um, a seu modo, sempre buscou o olhar do outro. O olhar de aprovação que confirma nosso desejo de ser. Mais simpáticos, mais bonitos, mais inteligentes e mais encantadores. Mais tudo. Pelo olhar do outro.
Então é hora de retribuir. Confirmar a veracidade. Depositar confiança.
Aconteceu assim quando éramos pequenos e percebíamos os olhares de aprovação dos adultos frente a qualquer gracinha, mesmo desajeitada. Repetíamos as ações. Confiávamos. Entregávamo-nos.
Crescemos e perdemos um pouco deste fã clube, assim entusiástico. A adolescência nos deixou a desalento. Na juventude enfrentamos cobranças. A idade adulta, então, exigiu de nós grande quantidade de siso e raríssimos risos.
E aí vem a Internet e nos presenteia com as redes sociais. Democráticas e sedutoras , as redes sociais acolhem a todos, indistintamente.
Como não se bandear para um lugar onde existe a possibilidade de fazer centenas de amigos? E chegar a milhares, com uma simples operação de adição? E esses amigos ainda curtirem nossas ideias, tanto faz, se inteligentes ou tolas? Compartilharem de nossas mesmices, de nossas experiências nobres ou medíocres?
É o retorno do olhar do outro. Aquele olhar de aprovação que nos foi roubado no mundo real.
Mesmo que virtuais, hoje acreditamos nestes novos olhares, nas curtidas e nos compartilhamentos. Envaidecidos, depositamos total confiança. Há verdade no outro e em nós mesmos. O mundo, agora, é virtual.
Para a maioria este é um universo a ser palmilhado com uma boa dose de humor e compreensão. Um entendimento saudável, como é exigência em um relacionamento entre pessoas educadas. Isto é perfeitamente possível. E um ganho para as partes.
Mas, para uma minoria desatenta, cuja meta é dispor-se a vender imagem, as redes sociais não passam de potentes vitrines onde holofotes gigantescos atraem os mais diferentes olhares.
Você e seus tantos novos amigos estão lá. Lá está seu nome, seu perfil, sua história, sua rotina, seus sentimentos, sua vida. As fotos comprovam sua identidade e sua trajetória, os caminhos trilhados, os muitos amores conquistados, as promessas não cumpridas. E são muitas as fotos. Muitos os álbuns. Como admitir que este mundo fascinante pode não ser confiável? Impossível!
De repente, a surpresa. Sua vida deixa de ser aquele livro aberto de que você, outrora, se orgulhou alcançar a familiares e amigos verdadeiros. Transformada numa exposição para milhares de indivíduos, sua biografia autorizada à revelia, atravessou limites indesejáveis. Alicerçada em seus posts, já ultrapassa a faixa dos 10.000 acessos no YouTube. Seus gracejos, suas aventuras, seus bons e maus momentos vividos estão lá, para entretenimento do público internauta.
Os canais de fofoca na TV já se interessam pelo assunto, tal o sucesso do vídeo. Vai dar ibope.
Você sai em busca de culpados.
Pode pensar em acusar a sua rede, as redes sociais em geral, tentar denegrir o espaço da Internet, deixar comentários inescrupulosos nas postagens dos supostos inimigos, deletar, descurtir, desadicionar este e aquele outro, decretar catástrofe ao mundo virtual. Nada vai adiantar. Nada irá segurar a perda da sua suposta privacidade.
Melhor admitir sua obsessão narcisista, sua vaidade, carência, exibicionismo, ingenuidade, criancice e tantas outras pendências.
Melhor ponderar sobre o que foi liberado, se caberia ser liberado a quem. E o quanto.
O que você libera para o outro, no mundo real ou virtual, é de sua inteira responsabilidade.
O que você não pode é queixar-se de invasão. Ninguém invade nossa privacidade sem nossa permissão. Para o mal ou para o bem. Afinal, tudo foi permitido na compulsão do tá tudo liberado.
Você chegou lá.
Logo, logo vai parar o carro naquele entroncamento e, no tempinho de espera do verde para arrancar, vai olhar para o alto e ver sua vida passar em flashes. Bem ali, naquele outdoor.