As mulheres faturam
 



As mulheres faturam

por Carol Canabarro

"Um ano de mudanças sísmicas", assim Shakira abriu o discurso de agradecimento, ao ser eleita Mulher do Ano em 2023, na primeira edição do Latin Billboard Woman in Music. Além da longa e reconhecida carreira, o lançamento da música BZPR Music Sessions #53 e seus mais de quinze recordes, possivelmente, impulsionaram a conquista do prêmio.

Não é novidade cantoras e cantores usarem sua voz para extravasar os sentimentos depois de uma desilusão amorosa. De Adele a Marília Mendonça (dois fenômenos das paradas de sucesso), musicalizar a dor vende. Mas, ouso dizer, há algo de diferente no que Shakira fez.

Por certo, a parceria de uma colombiana com um argentino, sejamos francos, não justifica. Shaki tem músicas com Black Eyed Peas & David Guetta, Rihanna e, com a inconteste Queen B, que foram aclamadas, mas nunca chegaram a essas proporções. A indústria da música, pesadamente americana e eurocêntrica, possivelmente só apareceu com seus dólares e euros depois do sucesso. O fato do feat ser latino não parece motivo.

Sou levada a pensar que é por "falar de chifre". A gente gosta de ver, sentir e cantar o sofrimento. Ainda mais quando se trata da separação de um casal famoso. E, como morango no bolo, foi descoberta de maneira inusitada pela cantora. Será que, então, o êxito se deu por ser uma grandessíssima fofoca? É possível, mas acredito que devemos considerar outro ponto: a letra.

Começa que Shaki canta em espanhol. Dizem que a gente expressa melhor as emoções na língua materna. E ela tinha muito para expor. Sem falar nos trocadilhos e palavras que, claramente, só fazem sentido em espanhol. A geléia começa a engrossar. Mas é, em um trecho específico da letra, que acredito residir a grande virada. Na quinta estrofe, ela diz a que veio quando tasca: "Las mujeres ya no lloran, las mujeres facturan".

A cantora não inova ao fazer uma canção sobre o fim do seu casamento e expor o que pensa sobre o ex-marido e a, então, amante. Ela atualiza a forma como acredita que as mulheres devem lidar com essa situação. Se antes a gente deveria chorar, proteger os filhos do tumulto causado pela separação e fazer poesia melancólica sobre nosso sofrimento; agora ela ensina a fazer uma balada techno e dizer, sem constrangimento, que vamos faturar (e pesado) com a dor.

Porque, em suas palavras: "Só uma mulher pode falar com a honestidade mais brutal, e cantar com raiva, e dançar extasiada, e se emocionar até que caiam lágrimas. Só uma mulher pode fazer isso". E ganhar dinheiro, acrescento.

O prêmio e os recordes, gosto de acreditar, são a forma que as mulheres ao redor do mundo encontraram para responder à Shakira: nós estamos te ouvindo e, tomara, aprendendo a lição.

 

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