Banheiro de Todes
 



Banheiro de Todes

por Tomaz Fantin de Souza

Há alguns anos fui no restaurante mais chique da minha vida. Pessoas perfumadas, muitos talheres e jantar em várias etapas: entrada, prato principal e sobremesa.

Comi o pãozinho com manteiga e depois chegou o arroz com frutos do mar. Dei uma colherada no camarão e senti a primeira cólica. Corri para o banheiro. Pela primeira vez na vida, o masculino tava ocupado e o feminino vazio. Eu era o primeiro da fila:

— O cara morreu lá dentro?

— Comeu cobra e esqueceu de tomar água.

Eu tava a três segundos de fazer nas calças e a porta mais fechada que a de um submarino. Entrei no feminino e me aliviei. No que levantei a cabeça, o horror! Papeis higiênicos usados espalhados por tudo, vaso entupido, descarga travada:

— E aí, vai demorar muito? — Uma voz feminina do lado de fora.

— Já tô saindo!

Correu um murmurinho:

— Era só o que faltava!

— Era voz de homem?

A pia era do lado de fora, o masculino estava livre e tinha fila de mulheres. Saí de cabeça baixa sentindo os olhares me fuzilando. Duas mulheres entraram juntas no banheiro:

— Que nojo!

— Olha o que aquele escroto fez no nosso banheiro!

Olhares femininos de ódio foram lançados contra mim até o final do jantar. Ao pedir a sobremesa, achei que até a garçonete me acusava. Na hora da saída, já fila do caixa, ainda ouvi de longe:

— Esse aí é o porco que eu te falei.

— Canalha!

Saí de lá e nunca mais voltei.

Lembrei deste causo no último sábado, quando fui ao café do térreo da Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. Lá os banheiros são unissex, limpos e as filas quase não existem.

Além disso, o preconceito com este assunto fez algumas pessoas decidirem seu voto baseando-se numa Fake News nas eleições do ano passado.

 

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