A Academia Brasileira de Letras e a fábula das uvas podres
 



A Academia Brasileira de Letras e a fábula das uvas podres

por Rubem Penz

Repercutiu de modo intenso a recente eleição para a cadeira de número oito da Academia Brasileira de Letras. Muito menos por Ricardo Cavaliere, que ocupará a vaga deixada por Cleonice Berardinelli; muito mais por ser Mauricio de Sousa a sair derrotado na disputa. Para surpresa de ninguém, os critérios envolvendo as escolhas de nosso grupo de Imortais são questionados.

Em defesa dos Acadêmicos, afianço ser assim com a criação de listas, e para sempre será: questionáveis serão todas as inclusões; as exclusões serão também. Aliás, em 126 anos para completar em julho, o número de escritores gigantes em todos os sentidos a jamais vestirem os ilustres quarenta fardões é (ou deveria ser) motivo de muito orgulho aos detentores desta honraria. Quando não uma assombração.

Uma verdade cristalina é a evidente ausência de parâmetros mensuráveis para orientar as escolhas. Por isso – mas não apenas por isso, pois vivemos em um país useiro e vezeiro em alterar regras quando ela desagrada quem esteja no poder –, diversas eleições foram denunciadas mais como favorecimento pessoal do que mérito literário. E a tendência será mantida. E não adianta denunciar, entristecer-se, revoltar-se. Antes de ser uma ode à resignação, este ponto de vista é apenas a constatação de ser a coisa o que é.

Gostei muito da polêmica em volta da cadeira oito. Ela, por si, mostrou-se capaz de iluminar diversos ângulos. Escolho dois. Primeiro: será HQ literatura, ou não? Teríamos problemas em compreender este modo de contar uma história (os quadrinhos) como obras de arte se não houvesse a pretensão acadêmica de Mauricio? Creio que não. O que transparece, neste caso, é persistir a compreensão de que muito mais um modelo de narrativa, ou um suporte específico, ser digno de lugar à mesa.

O segundo ângulo é ser, afinal, Mauricio de Sousa um criador importante a ponto de ser eleito para uma categoria tão seleta. Li muitas manifestações sobre sua assinatura constar nas tirinhas as quais têm desenhistas e roteiristas trabalhando anonimamente em torno dos personagens do Bairro do Limoeiro. Neste sentido, defendem que há muitos anos o criador da Turma da Mônica é muito mais empresário do que autor.

Pinçadas as duas linhas de raciocínio, entre argumentos racionais e apaixonados, fica o retrogosto da dificuldade brasileira em lidar com o sucesso alheio, mesmo quando nosso. Dói em muitos constatar ser Mauricio de Sousa, junto com Pelé, Tom Jobim e Niemeyer (elenco três, chegaria fácil a trinta), um dos nomes mais relevantes destes tempos. Junta-se a uma série de personalidades que só não serão maiores na História por nascerem nestes tristes trópicos (Landell de Moura cabe aqui).

Todavia, escolho fechar minha janela lamentando o surgimento de opiniões a julgar nossa Academia pútrida e, com isso, considerar até positiva a ausência de tantos merecedores. Não é justo com o nascimento de uma instituição de elite, muito menos com a maior parte dos ocupantes no decorrer da história. Fica parecendo a fábula da raposa e das uvas verdes, com adaptações. Que Mauricios e muitos mais sejam preteridos para alimentar o bom debate, ou mesmo para oferecer alguma fofoca capaz de dar humanidade aos eleitos.

 

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