A inteligência artificial criativa
 



A inteligência artificial criativa

por Luana Villa Real Faria

Como recém iniciada no estudo de escrita criativa e aspirante à roteirista, entrei em um grupo de WhatsApp onde seus integrantes, entre outras informações, compartilham as técnicas que utilizam para montar os seus roteiros, assim como dicas de softwares e aplicativos úteis. Foi então que recebi mensagens sobre a utilização do ChatGPT como uma das ferramentas para a busca de soluções criativas quando o próprio autor se vê perdido ou sem inspiração.

Voltando um passo atrás, aproveito para esclarecer que o ChatGPT, assim como seus similares, é um modelo de linguagem que utiliza inteligência artificial baseada em deep learning para gerar conversas e textos como pessoas o fariam. Há outras complexidades envolvidas, mas, de maneira resumida, os algoritmos aplicados a essas ferramentas têm a capacidade de aprender sozinhos, possuem uma lógica e se alimentam de milhares de exemplos de linguagem humana. Dentre a gama de funcionalidades oferecidas, elas têm a capacidade de conversar com você, oferecer respostas a perguntas técnicas (olha o problema para o Google...) e gerar artigos, pequenas narrativas, ideias para blogs, construção de personagens, postagens para redes sociais, copyrights, descrição de produtos, poemas e vai se imaginar mais o que dentro de alguns anos em funcionamento. Basta que você explique em poucas palavras o que quer e o resultado é gerado instantaneamente.

Vejam que isso é diferente de chatbots como o da Magalu, que vem te atender quando você acessa o portal Magazine Luiza, pois esse instrumento se baseia em algoritmos que possuem reações pré-determinadas, algo parecido com os manuais de respostas a perguntas recorrentes que os atendentes de telemarketing recebem das empresas.

Como eficiência e delegação de tarefas é algo valorizado pela maior parte da população, eu já estava ciente de que o ChatGPT seria o queridinho dos profissionais que escrevem rotineiramente e dos alunos que desejam terminar seus deveres mais depressa evitando exercitar, por longo tempo, a sua própria criatividade. Afinal de contas, essa inteligência artificial nos permite partir de um texto bem estruturado, com embasamento lógico e inspirado pela forma como a maioria das pessoas vêm se comunicando para, apenas, complementá-lo. Ou seja, se trata de um trabalho feito a “quatro” mãos. Outra utilização é a de revisor, buscando erros de português no que foi escrito pelo humano.

Todas essas funcionalidades podem agregar à atividade dos profissionais e têm muitas aplicações tanto positivas quanto úteis no nosso dia a dia. Eu tenho um amigo, por exemplo, que, ao não saber como fazer uma crítica negativa a uma colega de trabalho, se valeu de boas dicas do ChatGPT para fazê-lo de modo educado em outro idioma. Outro exemplo é um parente que sofre de dislexia e o utiliza para garantir que sua escrita não possua erros para ele inevitáveis a olho nu. Ainda assim, confesso que me causou grande surpresa descobrir que muitos estão utilizando esse tipo de aplicativo para tarefas criativas. Acabei por perder o sono mergulhada em reflexões cuja principal pergunta é: "Caso essa inteligência artificial continue a evoluir no decorrer do tempo, qual será o seu impacto na escrita criativa?".

Penso, em primeiro lugar, que a sociedade atual e as gerações futuras poderão perder em criatividade por eliminarmos gradualmente as oportunidades de exercitá-la plenamente. Em segundo lugar, olhando para um futuro mais distante e analisando duas premissas fundamentais: (i) as ferramentas se alimentam de dados massivos coletados de acordo com o que as pessoas escrevem, e (ii) a linguagem humana, por sua vez, passará cada vez mais a se basear nos resultados da inteligência artificial; me pergunto se não seria possível entrarmos em um ciclo que nos levaria a escrever sempre da mesma forma em escala global. Em última instância, podemos imaginar uma realidade em que acontece a estagnação das obras criativas. Teríamos, assim, algumas receitas de bolo meramente complementadas por informações específicas sem que percebêssemos por conta da normalização dessa prática com o passar dos anos ou décadas.

Claro que essa hipótese quase distópica é fruto de uma análise simplista da questão, e também não podemos esquecer a possibilidade de os programadores encontrarem soluções para essa problemática ou de surgirem os bastiões do exercício da criatividade sem que se recorra esses recursos. Mas seria possível?

Diante de tudo isso, resolvi recorrer ao próprio ChatGPT e lhe fiz perguntas a respeito do assunto e, apesar de a ferramenta defender que ambos podem se comunicar muito bem por trabalharem basicamente com a criatividade, o camarada reconheceu que a sua aplicação pode levar ao empobrecimento da escrita, ainda que a torne mais eficiente e fácil de realizar.

Ainda assim, me parece importante chamar a atenção para os impactos que a alta tecnologia pode ter em nossa sociedade a longo prazo e convido vocês a me acompanharem pelos cantos a matutar sobre possíveis cenários e a pensar duas vezes antes de lançar mão de todas e quaisquer ferramentas para a solução dos nossos problemas cotidianos.


Luana Faria é advogada e leitora assídua desde a infância. Atualmente é aluna do Curso Livre de Formação de Escritores.

 

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