O diálogo entre Jorge, de "Lambuja", e Luís da Silva, de "Angústia"
 



O diálogo entre Jorge, de "Lambuja", e Luís da Silva, de "Angústia"

por Cristiane Arteaga

Quando Graciliano Ramos escreveu "Angústia", em 1936, o intelectual era uma "exceção", dentro de uma "normalidade". Sua obra era restrita ao jornal e/ou publicada em livros por editoras tradicionais, como a José Olympio.

Hoje, mais de oitenta anos depois, todos se intitulam intelectuais. A internet, como bem disse Umberto Eco, deu voz a milhões de idiotas, que se auto proclamam donos da verdade (basta ver o que está acontecendo no Brasil em relação à pandemia da covid-19).

É neste mundo, de forte apelo tecnológico, de internet, mas com a mesma velha política e recorrente necessidade de prover, que está inserida a obra de Caco Belmonte, "Lambuja" (2017).

Num primeiro olhar, a história de Jorge, protagonista de "Lambuja", pode ser associada à de Naziazeno, de "Os Ratos", de Dyonélio Machado (1935), mas não se engane. Naziazeno e Jorge só têm em comum uma dívida a ser quitada. A complexidade de Jorge é mais compatível com Luís da Silva, protagonista da angustiante história de Graciliano.

Embora "Angústia" tenha sofrido duras críticas de seu autor, que afirmava que deveria ter cortado pelo menos 30% dela para torná-la "decente", é um clássico da literatura brasileira, associado à obra-prima de Dostoievski, "Crime e Castigo". Então, vê-se a qualidade que Graciliano teimava em negar.

Em "Angústia", conhecemos a história de Luís da Silva, intelectual nordestino, radicado no Rio de Janeiro, que é obrigado a vender seu trabalho intelectual para sobreviver. Relaciona-se com mulheres da vida e tem um certo conforto financeiro, pois possui uma empregada e um dinheiro guardado, além de estabilidade profissional. Isso até conhecer Marina, sua vizinha.

Por Marina, Luís perde tudo: dinheiro e razão. Em nome de um casamento que não se realiza, Luís se endivida e, desiludida, Marina busca consolo em Julião Tavares, este sim rico de verdade e capaz de dar-lhe os luxos necessários. Julião Tavares é rico, gordo e burro (tudo que Luís não é), mas, com seu dinheiro, tem o respeito que Luís almeja.

Luís é atormentado por um sentimento de inferioridade, acentuado com a traição de Marina. Arruinado, endividado, Luís percebe-se sem saída e, delírio ou não, encontra na morte de Julião Tavares o fim de seus problemas.

Jorge, por sua vez, é também jornalista endividado, que se relaciona com uma ex-prostituta (cujo "ex" é questionável). Sente-se explorado por ter que se vender intelectualmente, só que, no caso de Jorge, a "prostituição" é acentuada pelo fato de trabalhar com política. A frase: "Tudo é o dinheiro", repetida inúmeras vezes, ilustra bem o fato.

Sua relação com Rita (ex ou não mulher da vida) também se relaciona com o personagem de "Angústia". Em ambos os casos, os personagens têm sentimentos obsessivos. São homens aprisionados pelo desejo. Luís da Silva chega a espiar Marina urinar e Jorge não consegue esquecer o cheiro de Rita.

Nos dois casos, as mulheres, Marina e Rita, são objetos de desejo, cujos sentimentos jamais saberemos, pois não lhes é dada a oportunidade de expressarem-se. Marina troca Luís por Julião (por dinheiro?) e dele engravida, sendo obrigada a fazer um aborto. Rita deita-se com o desembargador para quitar uma parte da dívida de seu amor. No entanto, em ambas as narrativas, é a perspectiva masculina que prevalece.

Há ainda outras semelhanças entre "Angústia" e "Lambuja". A linguagem seca, direta, com trechos que se repetem, demonstrando o aniquilamento emocional dos personagens, arruinados por seus "amores" obsessivos. Porque, no fim, o mais importante (e que todos deveriam saber) é que a ruína humana se dá pelo fracasso no amor e não pela falta de dinheiro. Dinheiro não é tudo, felizmente.




Cristiane Arteaga é doutora em Literatura Comparada (UFRGS)

 

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