Bens finitos, infinitos males
 



Bens finitos, infinitos males

por Rubem Penz

Pensamento perverso: imaginei uma maneira de refrear, de alguma forma, o uso indiscriminado de pontos de exclamação, aspas, reticências e gerúndios nos textos. Algo como instituir um limite derradeiro, depois do qual os teclados do sujeito não aceitassem mais suas grafias. NUNCA MAIS (ao fundo, risadas espalhafatosas de vilão de histórias infantis). Sei lá, um método em que todo escritor – amador ou profissional – ganhasse uma carga até grande de reticências e gerúndios, por exemplo, mas não infinita. E lá vai ele reverberando... reverberando... reverberando... até a prudência alertá-lo: opa! Revise esse texto, ponha vírgulas pois, daqui a pouco, no momento em que precisar de verdade, não terá mais os três queridos pontinhos.

Hum, pensei melhor, agora: ao invés de bloquear definitivamente e de um “caixa único” (ó, lá se foram duas aspas), instituir um limitador diário. Xis exclamações a cada 24 horas, e dê-se por satisfeito. Faltou e precisa muito? Volta no texto e tira uma mal-usada. Tem sim, pode procurar! Ahá, eu usei uma, agora? Muito observador, você. A diferença é que, para um perdulário, já seria a quinta ou sexta na lauda, fora as oito aspas, trinta pontinhos e quatro gerúndios por parágrafo. Sei do que digo – estou escalado no time dos procuradores de vícios de linguagem. Milito na batalha quase inglória de preservar o sentido correto e evitar diluições de força.

O perigo, talvez, fosse o nascimento de um mercado paralelo. Já fui testemunha de artimanhas em mesas de oficina literária, inclusive propostas de venda de linhas: usei só 28 do limite de 34, negocio meia-dúzia. Depois da lei que restringisse os três pontinhos, alguém diria: meu texto não precisou uma reticência sequer, negocio a transferência por valores módicos, ou, melhor – troco por três pares de aspas. Como diz o ditado, fez-se a lei, fez-se a burla... Sim, estou adorando isso de você prestando atenção – ó, ó, um gerúndio, viu? – naquilo que lê. Ou pensa que não notei o sorriso ao passar pelas reticências? Gente do céu: cuidassem dos próprios textos como cuidam do meu.

Sei, tal plano é um sonho impossível. Sinais gráficos, gerúndios, clichês, tudo isso são bens (ou males) infinitos. Depois do editor de texto, então, só piorou: no tempo da máquina de escrever, fazer 17 pontos de exclamação cansavam o dedo e, agora, basta relaxar que a coisa se repete. E a praga do gerúndio é mais fértil do que os inços no jardim. E do que as aspas que “insistem” em surgir, inclusive no lugar errado (foi de propósito, viu, Bidu). Tal proposta seria tão inócua quanto muitos projetos bem-intencionados dos vereadores pelo Brasil afora, os quais, se bobear, ainda tentarão limitar a lei da gravidade para beneficiar quem esteja, eventualmente, acima do peso.

Há saída? Sim:

Pense... “Reflita”... Permaneça tentando... tentando... tentando! E não só “tentando” usar a língua pátria com bom senso!

Se achou a linha anterior meio ridícula, já é um bom começo. Ela verdadeiramente é. E só existe para o dar-se conta.

 

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