Intervalo
 



Contos

Intervalo

Cláudia de Villar


Tantos planos para fazer no intervalo. Mas seriam só quinze minutos... Normal, a maioria dos trabalhadores têm somente alguns minutos nos intervalos de seus serviços.

Precisava ser prática e objetiva, mas sua bexiga pedia socorro.

Bem, daria tempo pra tudo. Afinal, levou anos na faculdade aprendendo a fazer projetos, mensurar prazos, comparar tabelas. Não seriam aqueles quinze minutos que iriam estragar o seu dia.

Deu uma olhadinha no celular e percebeu que tinha várias mensagens. No intervalo ela iria dar mais atenção, agora não tinha tempo. Mas a luz vermelha piscante no aparelho a fazia lembrar que ela havia recebido e-mails. Poderia ser algo urgente. Estava esperando a resposta de uma nova vaga de emprego, a luz vermelha poderia ser uma luz no fim do túnel.

Olhou para o relógio de pulso. Faltavam poucos minutos para o intervalo.

A bexiga sussurrou.

A luz vermelha piscou.

Seus olhos pairaram na folha impressa em cima da mesa. Precisava xerocar. O sucesso do retorno do intervalo dependia daquelas cópias. Pediria um favor à Rosa. Mas lembrou-se que a Rosa havia saído mais cedo para levar seu gato ao veterinário. Bem, tinha a Mariney. Porém, a amiga foi ao aeroporto esperar o seu filho que chegava do exterior. Teria ela mesma que fazer as tais cópias. Ah, e aquela luz no fim do túnel...

Um cheirinho de café passado na hora chegava até seu nariz. Virou a cabeça para a porta. Podia sentir o gosto daquele café passado, quentinho, como braços que nos envolvem em uma atitude reconfortante. Ela queria ser abraçada naquele instante.

Ah, o intervalo tão esperado.

A bexiga pediu atenção novamente. Olhou para o relógio outra vez. Faltava um minuto. A luz vermelha continuou piscando. A rede social continuou chamando. A folha na mesa tremulando. Sua boca salivando. E sua bexiga agora gritando.

Quinze minutos. O intervalo.

Todos saíram da sala, afoitos.

Rede social, luz vermelha, folha impressa, café, bexiga.

E tudo que ela fez foi olhar para a borboleta que pousou no galho da árvore. Queria ser aquela borboleta para poder ter tempo para voar, sonhar e se renovar.

* Texto originalmente publicado no livro Histórias para ler no intervalo.


Cláudia de Villar, que é professora e escritora, decidiu escrever ainda criança, numa atividade escolar e, com o tempo, o que era para ser passatempo, passou a ser profissão. Cláudia também atua, desde 2000, como professora em escola pública estadual do RS para séries iniciais do ensino fundamental. Possui 13 livros individuais publicados e participou de coletâneas e Antologias. Suas obras passeiam pelo público infantil, infanto-juvenil e adulto. A escritora costuma dizer que quem gosta de ler converte a sua idade biológica de acordo com a obra que tem em mãos, "metamorfoseando-se" a cada livro. Sendo assim, suas obras são para leitores, independente da faixa etária, basta querer viajar e sonhar. Participou do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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