Antonia
 



Contos

Antonia

Carlos Eduardo Simão




- Alguma coisa ruim vai acontecer!

Minha mãe era assim, sensível. Na verdade a palavra que a definia bem é sensitiva. Ela tinha dessas coisas e quando cismava que algo ruim estava para acontecer era certo; acontecia.

Quando meu tio Antonio morreu em um acidente de carro minha mãe o alertou, ou melhor, o alarmou durante uma semana. Ela teve um presságio. Certeza de que algo muito grave ia acontecer ao seu irmão gêmeo na estrada. Ele ria, tentando disfarçar o incômodo, e dizia:

- Isso é excesso de zelo.

Tio Antonio era caminhoneiro. Naquele dia quando voltava do Rio para São Paulo, seu caminhão bateu de frente com outro caminhão que transportava combustível na via Dutra.
Houve uma grande explosão, segundo os jornais. Naquele instante minha mãe foi sacudida por um calafrio. Ela largou a máquina de costura onde trabalhava e saiu gritando pela casa.

- Toninho morreu!

Horas depois um telefonema confirmou a previsão de minha mãe.

Coisas ruins acontecem todos os dias em todos os lugares do mundo, de modo que dizer isso é apenas repetir mais do mesmo. Entretanto, todos nós passamos a considerar às premonições da minha mãe depois do episódio fatal com o tio Antonio.

Seu dom não era nenhum poder sobrenatural ao ponto de fazer previsões sensacionalistas sobre a vida de gente famosa como artistas de televisão, cantores, ou políticos. Nada disso. Ela só desenvolvia essa sensibilidade quando algo de ruim estava para acontecer com alguém da nossa família. Quando ela repetia a sua indefectível frase a família toda ficava em estado de alerta e todos se perguntavam: quem será a próxima vítima da Antonia?

Minha mãe não se recuperou da morte do seu irmão. Ela deixou de ser a mulher divertida e comunicativa que sempre foi e passou a ser uma pessoa arredia e soturna. Um ano após a morte do meu tio ela voltou a ter suas premonições. Ela voltou a ficar inquieta novamente.

Andava pela casa toda preocupada buscando identificar quem da família estava correndo risco de morte. Eu e meus irmãos - somos quatro - morríamos de medo da minha mãe quando ela ficava assim. Era como um fantasma andando pela casa. Meu pai ficou tão preocupado que ameaçou interná-la caso ela não desse um jeito de por um fim àquele absurdo.

Mamãe se defendeu dizendo que ele poderia até interná-la, se quisesse mesmo assim não deixaria de sentir que algo de ruim estava para acontecer com um membro da família. Mas desta vez era diferente, ela não conseguia visualizar com certeza quem seria a vítima daquele presságio ruim.
Meu pai então reuniu a família toda na sala e nos falou do seu medo e da sua preocupação em relação a nossa mãe. Ele disse que desta vez era diferente das outras vezes como quando aconteceu com tio Antonio, por exemplo.

Naquela ocasião ela sentiu algo estranho no ar. Ficou triste e preocupada. Disse que ele seria vítima de um acidente como de fato aconteceu. Agora era diferente. Ela Vinha tendo pesadelos horríveis à noite.

A cada dia que passava a situação da minha mãe só piorava. Ela não conseguia dormir e também não deixava ninguém dormir. Ficava andando pela casa a noite toda. Ás vezes ela entrava no nosso quarto e ficava do nosso lado nos olhando enquanto dormíamos. E chorava até meu pai chegar e levá-la de volta para o seu quarto, onde continuava chorando. Uma noite eu vi minha mãe parada no meio do quarto. Chorei junto com ela.

Meu pai, na verdade, não sabia mais o que fazer para amenizar o sofrimento da minha mãe. Ele sugeriu levá-la ao médico. Ela retrucou e disse que não seria necessário. Tão logo ela pudesse ver quem seria a vítima de tais pressentimentos ruins tudo aquilo passaria. E ela teria paz novamente. Meu pai concordou, mas chegou a cogitar a possibilidade de minha mãe ter rompido o fio tênue que separa a razão da loucura.

O aniversário dela seria por aqueles dias. Mamãe estava para completar 40 anos. E toda a família se empenhou em fazer uma grande festa. Na noite anterior ao seu aniversário enquanto todos nós estávamos ocupados com os preparativos da festa minha mãe se recolheu ao quarto mais cedo. Ela não se sentia muito bem.

Então nós ouvimos o barulho. Um estampido seco vindo do quarto. Toda a família correu. Meu pai foi na frente. Quando ele abriu a porta minha mãe estava caída sobre a cama. Uma enorme mancha de sangue molhava sua blusa na altura do coração. O revólver 38 pendurado em sua mão ainda fumegava pelo disparo.

 

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