Fredy
 



Contos

Fredy

Venancio Edgar Zulian




Fredy chegou da rua ao anoitecer, entrou pela porta da cozinha e foi deitar-se na velha poltrona ao lado do fogão. Começou a cochilar, mas se levantou de repente e caminhou até a sala, onde deu de cara com o que parecia ser o resultado de um furacão.

A sala estava de pernas pro ar. A mesa de fórmica tombada de lado deixou algumas pedras espalhadas pelo chão. Perto da porta da despensa, marcas de calçado pesado - talvez botas - ficavam bem visíveis sobre uma nuvem de pó branco.

Depois foi até o quarto do casal. Quase tudo estava em ordem, a não ser a gaveta do criadomudo desencaixada, pendurada no móvel. Deu meia-volta, passou pela porta da frente para chegar ao pátio, farejou o ar, olhou a sua volta e saiu correndo em direção à casa vizinha.

Paulo estava sentado à mesa, de banho tomado, esperando pelo jantar. Márcia, sua esposa, parou com a panela de sopa no ar quando viu, através da vidraça, Fredy se aproximando.

- É o Fredy de novo, deve estar faminto - falou enquanto largava cuidadosamente a panela
sobre a mesa.

- Pobre alma! - exclamou Paulo, partindo um pedaço de pão – Não fosse por nós, morreria de
fome.

Fredy não quis comer. Andava de um lado pro outro como querendo dizer alguma coisa, soltava um gemido triste, corria até meio caminho em direção a sua casa e retornava afoito. O casal trocou olhares, parecia não entender a mensagem.

Já estava escuro e somente a luz diáfana da rua iluminava o casebre dos Macedo. Não se via movimento algum. Paulo e Márcia foram até lá. Na terra úmida da rua e do pátio, havia marcas de pneus estreitos; no único degrau da escada, um chumaço de cabelos compridos; no marco da porta, manchas de sangue.

Entraram. Os poucos móveis do ambiente estavam fora de lugar, revirados. As paredes – carunchadas e pretas de fumaça - ostentavam figuras macabras. Numa espécie de altar no canto da sala, algumas imagens de santos estavam intactas, enquanto outras, como a de São Jorge, em pedaços, se misturavam aos escombros.

Paulo reclamou do cheiro de enxofre e de ácido, deu alguns passos e parou em frente à geladeira enferrujada. Parecia preocupado. Márcia o seguiu, parou ao seu lado e tapou a boca com a mão direita, arregalando os olhos. Fredy se aproximou. Márcia o pegou no colo, acariciou sua cabecinha e, olhando nos olhos de Paulo, disse: “vem, vamos embora daqui.”

Paulo apagou a luz, deixou a porta aberta e saíram sem tocar em nada. Nem apagaram o epitáfio escrito com batom vermelho na porta do refrigerador - que mal dava prá ver que um dia fora branco -: “esta boca agora é nossa!”

 

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