Baltimore
 



Contos

Baltimore

Miguel Silveira


Quem caminhar por Baltimore, há alguns metros do cruzamento da Ostend St. com a Leadenhall St. perceberá um prédio de tijolos à vista em que há quase duas décadas funcionava uma conhecida loja de conveniências da região. Cecil Johnson era seu proprietário e há mais de quinze anos lutava para manter aberta a loja, pois apesar do bom movimento que recebia durante o horário comercial, lutava para, todo mês deixar em dia o aluguel do ponto e pagar as parcelas da casa financiada em um conjunto de classe média há algumas quadras dali. Pensando unicamente na família, que tinha aquela loja como único meio de subsistência, deixava sua mulher trabalhando até o final do dia, quando chegava, mantendo o estabelecimento aberto até o fim da madrugada. Enquanto a mulher trabalhava em horário diurno, seu filho, Teddy de treze anos ajudava o pai na compra e carregamento dos estoques de mercadoria ou a mãe na limpeza e organização dos produtos da loja.

A noite de 15 de novembro de 1992 traria consequências que colocariam em extinção a aparente ordem daquela família. Um frio insistente pairava pela cidade há mais de uma semana, e Cecil mantinha a porta de vidro da loja de conveniências completamente fechada, enquanto tomava o café feito em casa, trazido em garrafa térmica. No balcão da loja, chicletes e algumas outras guloseimas. Na prateleira acima da caixa registradora, estavam dispostos em ordem os maços de Camel, Hollywood, Marlboro, Benson & Hedges, West e outros. Quinzenalmente, as noites de domingo eram movimentadas, quando os torcedores do Baltimore Orioles voltavam do estádio. Estacionavam na loja e compravam cerveja, refrigerante, pizza pronta, sanduíche. Às 03h42min, quando o movimento da rua era menor, um rapaz negro, de 22 anos, com um moletom azul-escuro fez gemer a porta de vidro e entrou um pouco alterado na loja. Cecil, como bom fisionomista, reconheceu o rapaz. Era Brandon, filho da faxineira do colégio onde seu filho estudou nos primeiros anos de escola primária. Ultimamente, Brandon era visto vagando dia e noite pelas ruas, nas más companhias. Das conversas nas esquinas para efetuar pequenos furtos para a gangue não foi muito difícil. O pai de Brandon era um viciado em cocaína que havia largado a mulher e estava preso em Minneapolis há mais de dez anos.

Após olhar para o lugar cuidadosamente, Brandon aproximou-se do balcão. Cecil olhou deu um pequeno passo para o lado, aproximando-se da Smith & Wesson .45 que deixava sempre perto do balcão. Brandon notou a movimentação de Cecil, e tentando desviar a atenção do comerciante, perguntou o perco dos cigarros. O diálogo frio entre comerciante e assaltante resultou numa explosão de tiros: sacando a arma do bolso frontal do moletom, Brandon apontou o revolver para Cecil, que em um movimento instintivo, cambaleou para o lado, buscando o a pistola e atirou. Em uma explosão, dois tiros simultâneos atingiram dois corpos.

Em frente à estante de hambúrgueres, Brandon tombou com o corpo torcido, e um buraco abaixo do olho esquerdo conectava-se, cabeça adentro com rombo atrás da orelha direita. Cecil para trás com um tiro na coxa. Muito sangue empapava as calças e as mãos do comerciante. Buscando o telefone, ligou para a ambulância, que em pouco tempo estava socorrendo Cecil. Todo esforço foi inútil para estancar o sangue que vazava da artéria atingida.

Duas horas depois, no hospital mais próximo dali, uma tentativa de cirurgia buscava reverter a hemorragia. Cecil faleceu no mesmo dia, logo ao amanhecer. A família, que buscava consolar-se com parentes e amigos, enterrou o comerciante ao lado do túmulo de sua mãe. Tentando proteger seu patrimônio e sua vida, Cecil deixou uma loja, uma família e um silêncio na boca de todos que compareceram ao enterro.

 

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