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Literatura

Depressivo-sonhador
Sério Napp

O depressivo-sonhador não ganhará nunca o Açorianos de literatura. Feito o Kiefer. Embora o Charles seja um escritor. Relatou o Kiefer, em momento de inusitada descontração, num recinto onde se encontravam algumas pessoas julgando uma cambulhada de textos pseudo-literários, com raras exceções, que sua filha vaticinara o exposto. E à boca de filha, senhores, não há quem resista.

O depressivo-sonhador, ao contrário, não tem filhas. Mas pior, ele sabe. Certeza concreta. Nunca. Mesmo que, conforme afirme o jgcruz, escreva até não mais poder, escreva de madrugada, escreva até doer os olhos, depois mostre a amigos de confiança; no dia em que o desespero passar e o texto for polido o suficiente, publique; muitos vão pensar que é ficção. Pode ser que muitos pensem. Não será o caso do depressivo-sonhador. Está em seu DNA. Irrecorrível, portanto.

Certo que o depressivo-sonhador imagina que há algo por trás ou, talvez, pela frente mesmo. Que o encare diretamente, olho no olho, mas que ele, por deficiências implícitas, não saberá definir.

Dias atrás o depressivo-sonhador foi a um a escola no interior do estado. Conversou com adolescentes, brincou e cantou com os menores. Quase ao final, um destes, cabelos escorridos, olhos escuros, ar de malandro chegou e, abraçando-o, segredou-lhe: Quem bom que você veio, tio. O depressivo-sonhador enterneceu-se. Na volta para Porto Alegre, dirigindo, de quilômetros em quilômetros estacionava para vomitar. Chegando a casa, mal teve tempo para concluir sua primeira e única frase: Mulher, estou mal..., e um bando de rotavirus tomou conta de sua pessoa, acompanhados por gastrenterite e infecção intestinal. Desmaios, febre alta, soro, quase se esvaiu de tanto. Impossível atribuir todo o mal a uma alface qualquer. Deve haver algo por trás ou pela frente, etc., etc. O depressivo-sonhador conclui que enternecimento produz graves e complicados efeitos. Melhor evitá-lo.

O depressivo-sonhador, em suas noites de insônia, que não são poucas, engendra histórias mirabolantes, roteiros perfeitamente acabados, achados estilísticos importantes, personagens brilhantemente desenvolvidos. Rumina-os cotidianamente, perde o sono, a fome, enforca o banho. Enfim, sobrevive unicamente em função de suas espetaculares histórias como se elas fossem um fim. Mas não as digita. Um frio lhe corre pela espinha, levanta-se sobressaltado se, por acaso, a idéia lhe ocorre. Sente medo, muito medo de não conseguir expressar a carga de emoção que o assalta quando a ela se entrega. E se isto acontecer, entrará em uma depressão terrível. Ao contrário, se tudo ocorrer como o previsto ele sonhará, sonhará tanto que a vida lhe será um inferno de tanta expectativa. E tudo, então, se consumirá feito bolhas de sabão.

A casa do depressivo-sonhador está em obras e ele sente um prazer imenso em caminhar, pés descalços, sobre o concreto. Mesmo que uma crise de renite o assole. Tudo está quase pronto, embora nada esteja efetivamente pronto. Nem ele. Também ele se julga incompleto. Agora começou a ter saudades do que nunca poderá fazer em sua vida. Por exemplo, caminhar pela muralha da China, participar da maratona de Nova York. Claro, ele pode passar dez dias em Tabapitanga; visitar a Oficina Brennand, em Recife. Mas nada como as altas montanhas da China...

É assim a vida do depressivo-sonhador: não sabe bem por onde anda, nem o que realmente deseja. Ou qual o melhor motivo para se erguer uma barreira e resistir. Tudo lhe parece indiferente, como se algo tivesse se partido em seu interior e ele precisa, urgentemente, colar os cacos. Pra isso é preciso cola da boa e, no momento, o depressivo-sonhador não a possui. Ah, ele aguarda um mail qualquer que mude a história do mundo, mas este mail, ele sabe, nunca chegará. Portanto.


29/11/2007

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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