MANJATE, Rogério. O coelho que fugiu da história. Ilustrações de Florence Breton. São Paulo, Ática, 2009. 64p.
A imaginação das crianças é infindável, quando alimentada. As invenções se multiplicam, se interpolam, se bifurcam, se modificam e vão dar origem a coisas bem distintas do que eram, no princípio. Mas é a brincadeira a dona absoluta do exercício de criar!
Mbila é uma menina de 6 anos, que ao retornar da escola, em seu primeiro dia de aula, encontra um coelho cinza com uma listra branca, que a mãe havia mandado comprar no mercado. Ficou radiante de alegria, porque achava que era o coelho das histórias tradicionais que ouvia, contadas pela mãe e pela avó. Depois de vencer o medo inicial e conseguir pegar o coelho no colo, Mbila quer saber como ele conseguiu vencer, em cada uma das histórias que ela ouviu. São muitas as perguntas. A menina, para refrescar a memória do novo companheiro, conta-lhe as histórias. Ficam amigos e Mbila promete proteger o coelho dos animais que o perseguem por toda parte. Com isso, a jovem vive um dia inteirinho de aventuras, na companhia do coelho, mas, ao voltar da escola, no dia seguinte, não o encontra mais...
O livro está dividido em pequenos capítulos, com títulos pra lá de sugestivos, do tipo “Mbila + Coelho = Encontro”. Há o predomínio de uma linguagem que flui como em uma conversa. Mas, embora seja a nossa língua, o leitor brasileiro vai perceber um outro jeito de “falar” o português, nesse caso, o português de Moçambique. É de lá que vem o autor e as histórias deste livro.
Por isso, no livro aparecem muitas coisas interessantes da cultura de Moçambique, numa gostosa mistura com o português e as palavras da língua changana e ronga, que são línguas de origem africana, também faladas no país. Para esse caso, o livro traz, ao final, um glossário e algumas informações curiosas do país da história.
Mas, para não ficarmos pensando que tudo é só na base da informação, é preciso dizer que há no livro muitos achados poéticos, do tipo: “ver o escuro brincar com a madrugada”; “até o eco se assustou e escondeu-se entro das paredes”; “o seus gestos gaguejavam: vai-não-vai, toca-não-toca, morde-não-morde, não-toca-que-morde” – que dão ao livro uma beleza sem igual.
E há fórmulas e ditados. Para começar uma história, se diz em Maputo (capital de Moçambique) “Nkaringanà wa nkaringanà”, que é mais ou menos como dizer “Era uma vez...”. E as crianças respondem: “Nkaringanà”. E pronto, o narrador inicia seu conto! Que quase sempre está repleto de ditados populares. Um dos mais bonitos, nesta história é: “tal como um velho rio que é sempre o mesmo, mas com água sempre nova”. É exatamente isso o que acontece quando um autor reconta uma história popular.
A obra tem alguns achados muito bons: a estratégia que o autor montou para fazer as histórias populares de transmissão oral surgirem dentro da história da menina Mbila; o uso do personagem que arranja sempre uma saída para tudo, sinônimo de esperteza e inteligência, que é o coelho; o narrador que narra os “pensamentos” do coelho; a invenção de palavras em coelhês; as onomatopeias criadas para a língua dos homens; a relação de amizade entre a menina e o coelho – são destaques no livro.
As imagens de forte colorido, feitas com guache e retocadas com giz pastel, da ilustradora francesa que vive no Brasil e a inventividade do jovem autor moçambicano, deram origem a um livro imperdível para o leitor brasileiro.
Ah, mas o melhor mesmo é ver como a imaginação livre cria saídas para tudo. E a frase da mãe da menina, por fim, fica ecoando nos nossos ouvidos: “vou te ensinar como se inventa um sono”. A fantasia é mesmo o alimento que faz crescer, sempre!
uma belÃssima aula só através do texto. imaginem como seria uma aula com o próprio celso sisto. imaginaram? não chegam nem perto da revolução que ele provoca. da inquietação e do encantamento dos alunos dele. sorte minha, que sou aluna de celso. ele é ao mesmo tempo todos os personagens e histórias infantis do mundo. é pouco?
Celia Maria Maciel, Porto Alegre 14/05/2013 - 14:10
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