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Literatura

Capão de mato
Sergio Napp

Naquele capão de mato havia um menino que olhava a vida, mas não enxergava o mundo. Havia um arroio por onde corriam águas límpidas lambendo as pedras. Havia avencas e samambaias. Uma clareira de grama sempre verde pronta para o sonho. Árvores carregando ninhos e larvas de onde desabrochavam pássaros e borboletas.

Ao trocar o capão pela cidade, havia ainda muita vida nos olhos para tanto mundo. Mas o cotidiano acabou por tomar conta. A rapidez dos dias fez com que ele buscasse o mais. O desatino dos caminhos a serem vencidos ensombreceu a luz que nele havia. O sonho, sem forças, foi se apequenando e acabou por se aconchegar em uma dobra escura e sem fronteiras. E adormeceu. Naqueles dias de descobertas e expectativas, o menino não se apercebeu do vazio.

Cresceu, se fez homem, palmilhou por muitos mundos em sua vida. Mesmo assim, de vez em quando, o sonho se revira em sua cama de noite e ele o recorda muito vagamente.

Há um filho, no hoje, e olhando para este filho com olhos de menino, ele lembra. E o sonho, que dormia o sono de muito, se mexe em sua casa escura e, aos poucos, retoma seu rio de vida. Ele gostaria de transmitir para os olhos deste filho o sonho que deixara encarcerado. Mas teme. Em noites de quase silêncio e nada de estrelas, a alma da lua se faz ouvir. E o que ele ouve não é o que ele gostaria de ouvir. Ao contrário: “nunca é o mesmo o rio que passa por nós”; “o passado é um tempo sem volta”; “o que foi nunca mais será”.

E se ele pintar de verde o chão do quarto do filho? – se pergunta. E se ele desenhar pelas paredes o arroio e as árvores do capão? E se nelas grudar rolas, piadeiras e borboletas?

Tem medo. E se ele chegar com a boca de lembranças, o filho pela mão, e nada mais houver? E se ele apontar o dedo para o vazio? E se nos olhos o filme da infância correr e somente ele for o espectador?

O medo é o fantasma do que já foi. O medo faz engolir a seiva do sobressalto. O medo preserva o capão em sua inexistência. O medo cristaliza, ainda mais, o tempo do sempre no coração.


21/11/2012

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Comentários:

Lindo o texto. "O medo cristaliza,ainda mais,o tempo do sempre no coração",bela frase e se aplica a muitos aspectos das vidas das pessoas.Dá pra pensar muita coisa a partir desta frase e do texto como um todo,é claro.Abraço.
Maria Helena, POA/RS 14/02/2013 - 17:12

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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