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Reflexão

Entre Casmurros e Capitu, a verdade se esconde
Luísa Aranha

Ah, a autoficção! Esse gênero literário que te faz questionar se o autor está inventando ou se realmente viveu tudo aquilo. É como um jogo de esconde-esconde entre realidade e ficção, onde a gente nunca sabe ao certo o que é vivência e o que é licença poética.

Mas, vamos combinar, essa brincadeira não é de agora. Quantas histórias que conhecemos e amamos, talvez tenham sido experiências do próprio autor.

Se Machado de Assis tivesse declarado que Dom Casmurro era autoficção, será que a gente se perguntaria tanto se Capitu traiu Bentinho? Provavelmente teríamos caçado Capitu, a julgado e criado mil fake news sobre ela para humilhar e ridicularizar sua imagem. Na pele do narrador, um esquerdo macho, hétero top, sentimos as suas dores, suas alegrias, suas obsessões. E, quando você menos espera, ele te dá um tapa na cara com a verdade. Ou será que era mentira?

Na autoficção, o autor usa suas próprias experiências de vida como base para a história, e assume isso publicamente. Annie Ernaux, ganhadora do Nobel de Literatura em 2022, por sua coragem e acuidade clínica, levou meia década para ser reconhecida por suas obras, todas autobiográficas.

O gênero não se limita a contar os fatos como aconteceram. Ele inventa, modifica, exagera... tudo para criar uma narrativa mais interessante, mais envolvente. É como se a vida fosse um rascunho e a autoficção fosse a versão final, revisada e ampliada.

Com alguma experiência no gênero — “Todas as bocas que beijei (ou sonhei)”, semifinalista do Prêmio Sesc 2017, “As vantagens de ser traída” e “Eu era a sua falta” — posso afirmar que é nesse processo de reescrever a própria história que o autor se descobre, se reinventa e, de quebra, ajuda o leitor a entender melhor a si mesmo. Porque, no fundo, a autoficção não é só sobre a vida do autor, mas sobre a vida de todos nós. É sobre os nossos medos, nossos desejos, nossas dúvidas e incertezas. É sobre a busca incessante pela elaboração do que é feito de nós, mas que nunca será totalmente alcançada.

Então, da próxima vez que você ler um livro de autoficção, não tente separar o que é real do que é inventado. Apenas se entregue à história e deixe-se levar pelas emoções. Afinal, a vida já é tão complicada, não precisamos complicar ainda mais as coisas, né?


05/09/2024

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  Luísa Aranha

Luísa Aranha é escritora independente, professora, jornalista e blogueira. Publicou mais de 30 títulos, entre dramas, comédias românticas, eróticos, antologias e romances contemporâneos, todos em formato impresso e digital. Também foi semifinalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2017 e desde 2020 ministra aulas sobre o ofício da escrita. Mais informações em www.luisaaranha.com.br.

luisa.aranha@gmail.com


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