A tia fuma no escondido do quarto à noite. Pai não quer, mãe não gosta. A tia fuma. No escuro, a brasa do cigarro dá voltas e voltas entre a boca e o vazio feito vagalume cheio de prazer em beliscar a noite. Eu não fumo. Outras são minhas traquinagens. Subo em árvore pra cuidar ovo de passarinho virando filhote; vejo larva subindo pelas folhas mastigando verdes; ponho minha atenção no arrulhamento dos pombos; adivinho casa de joão-de-barro; coloco mão na cumbuca pra ver que bicho sai; salto cerca de arame pra invadir terreno alheio; como fruta de estação. Quando dá aquela coisa de não saber o que se quer e o dia parece um entra-e-sai de não-sei-não cutuco ninho de marimbondo e tento descobrir a direção do vento.
Meio da tarde a mãe chama:
- Menino, tenho urgências de armazém!
Eu que estou em árvore me faço de nem aí.
- Menino...
E mãe volta pra dentro de casa.
Bem pelo finzinho da tarde chego de sorriso em pé.
- Tem pão quentinho de sair do fogo?
- Não.
- Broa de milho com nacos de pessegada?
- Não.
- Mas mãe...
- Quando tive urgências de armazém ninguém me acudiu.
- Mas mãe...
- Vai comer pitanga do mato pra enganar estômago até hora do jantar.
E vou que pra bobo não sirvo.
À noite mãe conta história pra boi dormir. Na cadeira de balanço pai finge que não escuta o que os ouvidos teimam.
- Conta aquela do peixinho que se afogou no mar.
- Essa não.
- A do passarinho que fez casa e não achou passarinha pra ele.
- Não, que depois tem pesadelo e mija na cama.
A cadeira de balanço ringe.
- Eu prometo.
A tia chega da cozinha, larga um boa-noite de voz baixinha e se vai pro quarto. Todos entendem, até a cadeira que só falta se virar do avesso.
- Vou contar a da pena da galinha.
- Essa tem nada de graça.
A cadeira de balanço ringe, ringe, ringe e entendo que os ouvidos de não ouvir começam a perder a paciência.
- Tá bom, mas daí não tem promessa.
Se a brasa cai no piso de cimento, nenhum problema. Mas se cair na colcha ou no travesseiro? Se o fogo fizer uma fogueira de São João? Se eu não conseguir pegar a porta que minha cama fica no canto do quarto?
maravilha sergio adorei seu conto , me levou aos tempos que eu passava ferias na casa da minha vo na fazenda, junto com meu pai , minha mae e meu irmão, e por isso que sou seu fã, abraçoss e boa sorte sergio ribeiro da silva, campinas30/06/2011 - 18:52
Que belo conto, um menino e suas lembranças. Dificil traze-lo tão intenso, tão vivo. É para quem sabe e faz. Gerci Oliveira Godoy, Porto Alegre RS29/06/2011 - 14:34
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