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Literatura

Reunião de família
Sérgio Napp

A tia fuma no escondido do quarto à noite. Pai não quer, mãe não gosta. A tia fuma. No escuro, a brasa do cigarro dá voltas e voltas entre a boca e o vazio feito vagalume cheio de prazer em beliscar a noite. Eu não fumo. Outras são minhas traquinagens. Subo em árvore pra cuidar ovo de passarinho virando filhote; vejo larva subindo pelas folhas mastigando verdes; ponho minha atenção no arrulhamento dos pombos; adivinho casa de joão-de-barro; coloco mão na cumbuca pra ver que bicho sai; salto cerca de arame pra invadir terreno alheio; como fruta de estação. Quando dá aquela coisa de não saber o que se quer e o dia parece um entra-e-sai de não-sei-não cutuco ninho de marimbondo e tento descobrir a direção do vento.


Meio da tarde a mãe chama:

- Menino, tenho urgências de armazém!

Eu que estou em árvore me faço de nem aí.

- Menino...

E mãe volta pra dentro de casa.

Bem pelo finzinho da tarde chego de sorriso em pé.

- Tem pão quentinho de sair do fogo?

- Não.

- Broa de milho com nacos de pessegada?

- Não.

- Mas mãe...

- Quando tive urgências de armazém ninguém me acudiu.

- Mas mãe...

- Vai comer pitanga do mato pra enganar estômago até hora do jantar.

E vou que pra bobo não sirvo.


À noite mãe conta história pra boi dormir. Na cadeira de balanço pai finge que não escuta o que os ouvidos teimam.

- Conta aquela do peixinho que se afogou no mar.

- Essa não.

- A do passarinho que fez casa e não achou passarinha pra ele.

- Não, que depois tem pesadelo e mija na cama.

A cadeira de balanço ringe.

- Eu prometo.


A tia chega da cozinha, larga um boa-noite de voz baixinha e se vai pro quarto. Todos entendem, até a cadeira que só falta se virar do avesso.

- Vou contar a da pena da galinha.

- Essa tem nada de graça.

A cadeira de balanço ringe, ringe, ringe e entendo que os ouvidos de não ouvir começam a perder a paciência.

- Tá bom, mas daí não tem promessa.


Se a brasa cai no piso de cimento, nenhum problema. Mas se cair na colcha ou no travesseiro? Se o fogo fizer uma fogueira de São João? Se eu não conseguir pegar a porta que minha cama fica no canto do quarto?

Nossa, bom ter pai e mãe.


28/06/2011

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Comentários:

Voltei ao tempo em que passava as férias na fazenda do meu tio, Fazenda Jaguaretã, perto de Rosário do Sul; também adorava me esconder nos galhos das árvores, bem em cima, para assustar nossos pais.Teu conto é muito gostoso e dá vontade de comprar os livros.Devem ser bem interessantes.Parabéns.
Ecilda, Porto Alegre-RS 30/07/2011 - 18:20
maravilha sergio adorei seu conto , me levou aos tempos que eu passava ferias na casa da minha vo na fazenda, junto com meu pai , minha mae e meu irmão, e por isso que sou seu fã, abraçoss e boa sorte
sergio ribeiro da silva, campinas 30/06/2011 - 18:52
Das primeiras luzes da minha vida, pelos três ou quatro anos de idade, que escutava as melodias do Mário Barbará e as poesias do Napp, como um sopro de vento telúrico à ilumimar minha consciência e batizar minha identidade nativa. Naquela época, me embalavam serenas as redes das varandas, os galhos dos jacarandás, as mãos de minha mãe. Hoje minha alma se embala dessas lembranças... Este teu conto, Sérgio Napp, um corredor de uma estrada interiorana, que conduz ao fundo de campo da minha alma. Um grande abraço!
Marcos Almeida Pfeifer, Porto Alegre/RS 29/06/2011 - 20:20
Adorei o conto.Bem enxuto .Muito bom.Eu sou sua fã .Tenho seus livros ,já li e acho-o um ótimo escritor.No ano passado você veio a Osório,na 25ª Feira do livro, mas com músicos.Não fez palestras.Escrevo tembém poesias ,contos e crônicas.Escrevo em várias páginas na internet Inclusive no portal Artistas Gaúchos. Abraços.
Suely Braga, Osório RS 29/06/2011 - 17:13
Que belo conto, um menino e suas lembranças. Dificil traze-lo tão intenso, tão vivo. É para quem sabe e faz.
Gerci Oliveira Godoy, Porto Alegre RS 29/06/2011 - 14:34
Que linda história, Sérgio! Lembrei dos figos que comi diretos no pé. Subia por uma escada de madeira e ficava sentada entre os galhos, só descia, acho, quando cansava da paisagem!
Rosy T. Paniz, São Vicente (SP) 29/06/2011 - 12:24

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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