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Literatura

O morto dos olhos vivos
Sergio Napp

Contam de trovões e relâmpagos. E muita chuva. Como se fosse o fim do mundo. Os rios ultrapassaram as margens e foram levando tudo pela frente. Os animais espalhavam-se, os galos deixavam de cantar e as pessoas se trancavam em suas casas. Houve quem ficasse sem alimentos ouvindo o ranger da fome e o choro das crianças.

Mais de uma semana, alguns contaram mais de um mês, mas aí é exagero.

Quando as portas foram abertas perceberam o tamanho do estrago: árvores arrancadas, alambrados pelo chão, e a ponte que ligava a vila ao norte, destruída. Davam os primeiros tapas no aprumo das coisas e eis a novidade: um homem nu e morto na barranca do rio. Acorreram de imediato e a surpresa foi grande: o morto tinha os olhos abertos e uma alegria distribuída pelo rosto como se tivesse visto coisa pra lá de bonita antes de morrer.

Quando se morre, morre-se de contentamento? – eu me perguntava.

Mal o banham e o vestem e a notícia se espalha. De tudo que é canto chegam gentes. Por mais que tentem não conseguem fechar os seus olhos.

Contam que os milagres de pronto se sucederam: a mulher estéril que emprenhou, o aleijado que correu, o cego que passou a ver.

Antes que o desatino virasse hsteria coletiva, contam que o padre, o mais rápido que pode, providenciou no enterro. Contam que as romarias se sucederam dia sim, outro também, até que o tempo, inexorável em suas pertinências, acabou por reduzi-las.

Se vocês seguirem pela BR/116 em direção ao sul, no quilômetro 154 há uma árvore posteira e uma estrada de terra. Seguindo-a por uns 40 minutos hão de chegar a uma pequena cidade. Busquem pelo cemitério em sua rua principal. Ao fundo encontrarão o túmulo. Sempre caiado de  branco, sempre coberto de flores. Se a sorte for justa, encontrarão sobre ele uma majestosa garça branca com algumas penas rosadas. Permanece por ali até o pôr-do-sol para depois alçar voo em direção ao horizonte.

Que idade eu tenho quando tudo isso acontece? Uns oito anos, creio. A idade do maravilhamento. Das primeiras descobertas do mundo.


05/12/2013

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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