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Reflexão

A morte
Sérgio Napp

Morrer de repente é o prazer do homem. Uma que outra palavra, talvez um gesto brusco, e mais nada. Nenhum ai ou esgar. Não é bem isto o que a morte espera. O que a morte deseja é algo que a agrade, algo que lhe dê satisfação. Algo que a encha de prazer.

Para que o prazer se instale, é necessário o ritual. A morte precisa acompanhar passo a passo os preparativos que levam o homem ao seu derradeiro suspiro. Precisa do sofrimento. Da aflição. Sem eles a boca da morte não saliva. A dor inicial, a primeira dúvida, a noite não dormida, as olheiras, a garganta seca. A angústia ao receber o médico. O abrir dos botões. A ausência das palavras. A ausculta. As perguntas. O olhar enigmático do médico ao examinar, uma a uma, as radiografias ou o eletro ou os resultados que o papel apresenta. Neste momento, no exato deste momento, a morte ingressa no quarto, se põe à cabeceira do homem e o olha com um misto de carinho e volúpia. Um frio lhe percorre a espinha. O coração acelera. A respiração descompassa. O prazer da morte se instala. Tudo o que se segue só o aumenta, mais ou menos. A morte não dorme. Acompanha, segundo a segundo, as aflições do homem e cada um de seus gestos. No instante em que os enfermeiros entram no quarto e o colocam na maca. Na iminente despedida dos entes amados. Nos corredores assépticos. Ao ver as carnes, os músculos sendo expostos. As veias sendo rasgadas pelo bisturi. A infecção. A improbabilidade. A tudo a morte assiste com o júbilo de quem antevê péssimos resultados. E com eles se alegra. Se acaso o homem retorna ao quarto e o conectam a dezenas de aparelhos e aos tubos; se a sua comunicação, com os que o cercam, não se realiza; se ele geme, se debate e se desespera; aí, sim, na alma da morte, se dá um paroxismo de tal grandeza que ela, quase, atinge o êxtase: o homem está prestes a se entregar aos seus abraços. Ao homem, com certeza, cabe lutar, feito a caça ao caçador, sabendo que o inimigo o espreita sorrateiro e confiante. A morte possui toda a paciência do mundo e a saboreia com lascívia. O homem luta, a morte o aguarda. O homem se entope de remédios, realiza exames cotidianos, a morte sorri. O homem procura as últimas informações científicas, os avanços da medicina, a morte se diverte. Com a paciência, que só ela possui, o espreita enquanto apara as unhas e corrige as cutículas.

Aos pés da cama, a morte o observa em seu estertor: o rosto magro, a pele enrugada, as mãos trêmulas, os pulmões mantidos pelo oxigênio. Aproxima-se da cabeceira e, ao sentir o gélido toque das mãos da morte sobre a testa, o homem adivinha. Um vagido escapa de seus lábios. A tentativa inútil de um gesto se delineia. Um soluço move-lhe o corpo. Lágrimas escorrem.

O prazer da morte não é a morte em si mesma, mas ver o homem, antes poderoso e senhor de si, extinguir-se lentamente feito um verme.

27/12/2010

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Comentários:

Profundo... poetico... triste... verdadeiro... para morrermos é nescessario apenas estar vivo... analisando, um homem rico e poderoso se via indefeso nas mãos da morte... da qual ninguem escapa.
Lenn@ Palavro!!!, Farroupilha-RS 21/06/2011 - 13:38
Belíssimo, praticamente um poema em prosa sobre a indesejada das gentes...
Nayla Campos de Alencar, Esteio/RS 28/12/2010 - 11:50

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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