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Literatura

O caçador
Sérgio Napp

O prazer do caçador não está na caça propriamente dita, mas no ato de caçar. Quando levanta pela manhã, ou à tarde voltando do trabalho, em qualquer circunstância, o prazer se inicia no momento em que decide: vou caçar. A partir daí o seu nível de excitação aumenta gradativamente. Pensamento fixo no alvo. Atenção redobrada. Ânsia nas mãos que se retorcem. Respiração ofegante. Sorriso no canto dos lábios.
Quando pega a arma e a examina, com o máximo carinho, o coração acelera. Ele a apanha em transe e a olha com volúpia. Acaricia-a como se fosse a mulher amada no ato da entrega. Verifica alguma possível falha, trava-a e a destrava, coloca-a no ombro para sentir, ainda uma vez, o peso e o contato lascivo com o corpo. Lubrifica-a, separa os cartuchos, analisa-os um a um, e por fim, a carrega. Esfrega-a com um pano de pelúcia para retirar a derradeira nódoa. Depois, levanta-a com as duas mãos, ao nível dos olhos, e a admira com orgulho. Então, deixa-a sobre a mesa com o cuidado extremo que se dedica a um recém-nascido.

Calça as meias e as botas à perfeição. Veste o colete e, em um dos bolsos, coloca o restante dos cartuchos. E sai. A cavalo ou de carro ou, se estiver no campo, a pé. Resoluto, seguro de si. O vento lhe entra pelas narinas e o reorganiza. Não um simples homem que avança, mas o caçador. Os movimentos são pausados e seguros. Tudo está sob controle.
O ato de contemplar o horizonte à procura de um movimento. De conduzir o binóculo aos olhos e farejar. A alegria ao entrever a caça e senti-la ao seu alcance. O sopro que atinge os pulmões é licor que o sacia. A água do cantil ameniza-lhe a boca seca. A tensão arrepia-lhe os pelos. Mais do que tudo, neste momento, o desejo o impele e nada irá detê-lo.

No instante em que ergue a arma e faz a mira não é mais um ser humano, mas um ente superior. Gotas de suor marcam sua testa. Um frêmito e um alvoroço invadem-lhe o corpo. Sente em si um poder que o entontece. Ao colocar o dedo no gatilho um leve tremor a assoma. O êxtase, ele o atinge ao comprimi-lo lentamente. O estrondo que se ouve é o estrondo do seu coração a se esvair por inteiro no momento do gozo.

Segundos após, entreabre os olhos, controla a respiração, relaxa os músculos. Acende um cigarro, aspira-o entorpecido e sorri vitorioso.
Apanhar as aves, duas, dez, vinte, amarrá-las pelos pés, jogá-las na caçamba ou pô-las ao ombro, e voltar inebriado para casa, é pura rotina.


29/11/2010

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  Sérgio Napp

Sergio Napp, nascido em Giruá/RS em 03.07.39, é engenheiro civil, escritor e letrista. Premiado em festivais de música no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tem mais de cem trabalhos gravados por artistas locais, nacionais e internacionais, sendo autor de um dos clássicos do regionalismo gaúcho, Desgarrados, em parceria com Mário Bárbara. Foi Diretor da Casa de Cultura Mario Quintana entre 1987/1991, 1997/1998 e 2003/2007, tendo coordenado a equipe responsável pela reciclagem do Majestic Hotel em Casa de Cultura Mario Quintana.

sergionapp@terra.com.br
www.sergionapp.com


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