É assim que se faz. Nada de magia, fórmulas milagrosas, inspiração
divina, yoga, mentalização ou similar. Apenas, sensibilidade,
imaginação e trabalho, muito trabalho.
A diferença entre uma pessoa dita normal e outra criativa é
que esta possui, de forma pura e simples, percepção maiôs
acurada, ou, conforme as palavras de Szent-Gyorgyi, essa pessoa possui a capacidade
de ver o que todo mundo vê e pensar o que ninguém pensou.
Vamos ao processo. Primeiro, coloque-se que o ato criativo é individual.
E, portanto, único. Depreende-se, então, a angústia de
se estar frente ao computador, ou da clássica folha em branco, em busca
da chamada inspiração, a qual deveria, obrigatoriamente, nos surgir
a qualquer momento e proporcionar a nós, privilegiadas criaturas, a suficiente
revelação que nos permitisse preencher páginas e páginas
com um texto brilhante. Não é assim o desenrolar do citado processo.
Um gesto, uma palavra, uma frase, um olhar, o vento, e eis que se desarma
a caixa preta interior (caixa que todos possuem, diga-se de passagem, mas que
poucos, pouquíssimos têm a capacidade de desentranhar, dela, seus
mistérios e segredos) e surge a idéia. É verão,
com certeza, e o entusiasmo nos penetra poro a poro e perdemos o sono: gesta
em nós a grande obra. Mas entre a idéia e o texto há um
longo, longo inverno marcado por consultas, esboço de personagens, visualização
de cenas, tentativas de diálogos, rascunhos. Ultrapassado esse tempo,
armazenados até os olhos de emoções desencontradas e frágeis,
eis que estamos prontos para o primeiro embate: dar corpo e forma à idéia.
Não sem antes questionar: valerá a pena? Como a resposta jamais
nos satisfará, seguimos, marinheiros perdidos num mar revolto em busca
de um porto ao qual, talvez, nunca cheguemos. Finalmente o outono: o texto,
em sua forma primeva, está pronto. Quase não acreditamos, mas
ali está: no computador, datilografado, em folhas avulsas ou rabiscado
num caderno. Eu disse pronto? Quanta ilusão! É tempo de reescrevê-lo
uma, três, cinco vezes (mais consultas, corte de personagens ou diálogos,
criação de outros personagens e diálogos, novos cortes,
outros acréscimos) durante semanas, meses, anos, para, enfim, pensá-lo
acabado. Tê-lo em mãos, aspirar seu hipotético perfume,
murmurando, para que ninguém nos ouça, ah, meu filho..., que sensação!
É quase um outro texto tal a diversidade em relação ao
que iniciamos. Melhor ou pior? Não cabe julgar. Eu disse pronto? A primavera
é uma estação de difícil acesso.
O texto, entenda-se, é matéria prima que não se revela
de pronto. Urge lapidá-lo diuturnamente para que se obtenha, nele, o
contorno esperado, a retransformação necessária. E, para
tanto, indispensável se faz que nos armemos de paciência, dedicação,
disciplina e suor. Ah, e também, por fundamental, de paixão.
Se de tudo resultar um livro, uma página ou frase que seja, agradeçamos
e exultemos. Valeu o esforço.
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