Número 04

Apresentação

O  quarto volume da Revista Conexão Letras propõe-se a tratar de processos identitários, abarcando diferentes enfoques que buscam, no âmbito desta temática, refletir em torno de questões que retratam nossa sociedade em suas inúmeras contradições, ou que nos reportam às questões implicadas na complexidade das heranças que recebemos do pensamento de outras gerações e, sobretudo, nas concepções que elegemos para responder aos desafios que a atualidade tem nos apresentado, através dos discursos de globalização que se multiplicam a cada dia, da crescente “mundialização” dos bens simbólicos” que, sob a aparência de processos de tecnologização e de “socialização”, buscam até mesmo  homogeneizar as formas de leitura dos processos identitários que caracterizam os modos através dos quais os indivíduos se representam  e atuam na sociedade como sujeitos de uma determinada história e de uma realidade.

Esta atualidade, povoada por novas contradições é que precisa ser estudada, questionada, segundo nosso ponto de vista, já que, na mesma medida em que dá ênfase à soberania do conhecimento privado da experiência – o virtual - ao  triunfo do individualismo sobre as formas coletivas de organização, povoa o universo dos sujeitos com “padrões comuns de reconhecimento,” responsáveis pela construção de imaginários de subjetividade em que pouco ou quase nada resta aos próprios sujeitos. Deste modo, ao não reconhecer mais seus lugares nas relações sociais, como lugares identitários, lugares de pertencimento dotados de histórias, estes também passam a tornar-se “dispositivos” descartáveis de um universo veloz e, ao mesmo tempo, voraz que não mais precisa dos sujeitos para tratar de seus objetos.

É a partir deste enfoque, pois que apresentamos os artigos que seguem.

O artigo REFLEXÕES SOBRE A SUBJETIVIDADE NA COLONIZAÇÃO, de Claudine Haroche, reflete em torno das práticas de  segregação, negação do outro, rejeição e humilhação que permeiam as relações instituídas entre colonizador e colonizado, durante as invasões, as ocupações territoriais realizadas por europeus, focalizando, sobretudo, os contextos nos quais os colonizados pertencem a grupos étnicos historicamente explorados tais como os indígenas e africanos.

Em O PENSAMENTO NOMOGENÉTICO NA URSS NO PERÍODO ENTRE-GUERRAS: A HISTÓRIA DE UM CONTRA-PROGRAMA, Patrick Sériot reflete em torno das fontes epistemológicas de que se serve Roman Jakobson para embasar seus estudos lingüísticos eslavófilos e que se reportam, notadamente, a correntes de pensamento do Séc. XIX ancoradas na naturofilosofia alemã, negando, por outro lado, as bases do positivismo e do darwinismo.

Em O  PAPEL DAS LEITURAS ENGAJADAS EM MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM, Ana Zandwais retoma o contexto histórico de produção das leituras de Bakhtin/Volochinov, a fim de refletir acerca das concepções de língua, ideologia, enunciado, superestrutura e infra estrutura, produzidas à luz dos pressupostos materialistas histórico e dialético, que constituíram os alicerces para a formulação de uma filosofia da linguagem de base marxista.

Em UM TAPINHA NÃO DÓI: UM ESTUDO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO, Marilei Resmini Grantham aborda a questão da violência contra a mulher, enfocando, de um lado, a legislação criada no Brasil para assegurar às mulheres o direito à segurança contra a violência masculina, e, de outro, focalizando discursos produzidos no cotidiano, tais como slogans, ditados populares e letras de música, com vistas a caracterizar as bases de uma memória discursiva construída no país em torno da imagem feminina.

A REFORMULAÇÃO DE LIVROS ANALISADA A PARTIR DE UM PRISMA DISCURSIVO: IDENTIDADES EM JOGO NA RELAÇÃO ENTRE VERSÕES, de Adriana Pozzani de La Vielle, consiste de um estudo sobre o processo de reformulação de publicações que toma como objeto de investigação as “edições revistas”, com vistas a caracterizar como se dá o funcionamento da autoria nesse processo de mediação entre a edição de partida e a “edição revista” pelo autor.

Através de A PRODUÇÃO DE SENTIDOS “SOBRE” O GAÚCHO: UM DESFIO SOCIAL NO DISCURSO DA HISTÓRIA E DA LITERATURA,  Verli Petri, reflete sobre o imaginário constituído em torno do gaúcho, a partir de diferentes obras literárias, bem como busca caracterizar de que modo esse imaginário acaba sedimentando sua identidade por meio das designações e atributos que lhe são conferidos nos contos, romances e nos discursos da História.

Em REPRESENTAÇÕES DO INTELECTUAL ENGAJADO NA OBRA DE ERICO VERISSIMO, Donizeth Aparecido dos Santos apresenta uma análise do posicionamento sociopolítico das personagens Floriano Cambará e Pablo Ortega à luz das teorizações de Jean-Paul Sartre (1994) e Edward Said (2005) sobre a função social dos intelectuais.

Neste número, Jane Tutikian entrevista um dos maiores escritores da  Literatura Portuguesa da atualidade, o professor e escritor Helder Macedo fala sobre o processo identitário, tema recorrente em seus romances.

Na parte de resenhas, Tânia Flores Aiub escreve sobre HISTÓRIA DA SEMÂNTICA: SUJEITO, SENTIDO E GRAMÁTICA NO BRASIL, de Eduardo Guimarães, Débora T. Mutter da Silva, sobreAS NOITES DE CARMEN MIRANDA, de Lúcia Guerra,  e Anselmo Peres Alós, sobre REMÉDIOS DE DEUS, VENENOS DO DIABO, de  Mia Couto.

Ana Zandwais e Jane Tutikian
Organizadora

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