Número 02

Apresentação

É bem verdade que o início do século 20 representa uma ruptura com o modelo ideológico clássico, razão por que, entre 1927 e 50, com o avanço dos nacionalismos, a questão da identidade nacional – e ela comporta uma identidade política e cultural – termina ocupando um espaço significativo. Após, esboça-se uma espécie de vazio absoluto em torno da questão. Entretanto, nas últimas décadas do século a pergunta “quem somos?” volta ao cenário das preocupações e de forma enfática, ocupando, dentro da comunidade cultural – porque a comunidade cultural é, sobretudo, resistência da identidade – um tom enfático. Evidentemente que a questão está ligada a todas as transformações por que passou o mundo no final do século: a queda do muro de Berlim (que terminou se transformando num acontecimento mítico), a quebra de barreiras econômicas ao Leste Europeu, a abertura da China para o capital estrangeiro, a queda da hegemonia russa, a ascensão da hegemonia norte-americana, a formação de blocos supranacionais, o avanço das comunicações, a mal definida pós-modernidade, a hegemonia da globalização, o multiculturalismo... Se tomarmos os dois últimos acontecimentos e seu real significado, sobretudo o multiculturalismo que nada mais é do que um “diálogo monológico” voltado para a imposição cultural, para um novo Imperialismo, poderemos entender o retorno e a importância da pergunta “quem somos?” no nosso tempo. Aí, é preciso considerar que a relação entre culturas diferentes nem sempre se dá de forma pacífica. É o que as manifestações vêm mostrar. Ainda que pertencente à identidade do Mesmo, o Outro, mesmo que com promessas de felicidade geral, continua sendo o Outro. Assim, a questão da identidade termina ocupando textos dos mais diversos estatutos e é do que a CONEXÃO LETRAS, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em seu segundo número, se ocupa.

Na secção de artigos são apresentados os textos que seguem.

“Identity Discourse and the Politics of Representation: why the one can’t do without the other”, de Kanavillil Rajagopalan, aborda a questão da permeabilidade dos processos identitários na contemporaneidade, configurando os mesmos como construções em processo contínuo de reconfiguração.

“Senses et Formes dans la Sémantique Marriste”, de Ekaterina Velmezova, investiga dois períodos fundamentais que caracterizam as bases da teoria lingüística de Nicolai Marr durante o regime soviético. O primeiro, designado Teoria Jafética, coloca em evidência relações de parentesco entre as línguas. O segundo, investiga diferentes estágios que desencadeiam a evolução/ transformação das atividades lingüísticas. É importante ressaltar que a Autora nos possibilita uma compreensão do percurso teórico de Nicolai Marr através de uma análise comparativa entre textos originais e textos traduzidos que apagam “traços” sobre as leis lingüísticas propostas por Marr.

“Les Hébraismes et les Slavismes du Yidish et la Cristalisation d’une Identité Juive-Est-Européene”, de Cyril Aslanov, aborda as condições híbridas de formação da língua ídiche, explorando a sua condição de mestiçagem composta por elementos dos léxicos alemão, hebraico e variações das línguas eslavas, o que, em última instância, impossibilitou sua descrição em termos de padrões notadamente formalistas propostos nos domínios da sociolingüística.

“A Dança dos Nomes: análise de um nome próprio na cena de Faroeste Caboclo”, de Cláudia Aparecida de Oliveira Leite, sustenta, ao analisar um nome próprio na letra dessa música, a hipótese de que uma renomeação identifica diferentemente o nomeado ao estabelecer predicações variantes e que as nuances que estão em jogo no processo de identificação permitem que, pela designação de uma mesma pessoa, transitem atributos variados, divergentes e mutáveis.

“José Maria Arguedas: o discurso do hibridismo cultural e da quebra da identidade nacional”, de Alexandre Vieira, elabora uma análise do imaginário mítico dos quíchuas, na obra de Arguedas, abordando a questão da mestiçagem a partir de pressupostos de Jacques Derrida.

“O Papel da Lingüística na Formação do Professor de Língua”, de Sheila Elias de Oliveira, propõe uma reflexão sobre que estatutos a lingüística tem ocupado na formação de professores de Letras. Através deste artigo, a Autora busca caracterizar as tendências teóricas que dominam o contexto de ensino-aprendizagem de língua e sua relevância social.

“A Cantora e o Bardo: a construção da identidade galega nos discursos poéticos de Rosalía de Castro e Eduardo Pondal”, de Henrique Samyn, procura demonstrar como esses dois autores partem da percepção da identidade galega para uma leitura diferenciada. Pondal produz literariamente uma Galiza projetada em um futuro possível, enquanto Castro reclama a importância da poesia popular, do território e da língua galega.

“Discurso e Sentido na Inconfidência Mineira”, de Júnia Focas, analisa o léxico da Inconfidência Mineira a partir de um corpus constituído por processos de devassas judiciais, os quais foram compilados nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. A Autora busca investigar, a partir de pressupostos da Análise do Discurso, como o “discurso da História” confronta-se com o “discurso na História”.

“A Dimensão da Alteridade na Poesia de Mário de Andrade: inclusão da diversidade”, de Adna Candido de Paula, problematiza a questão da identidade por meio da alteridade, tratando dessa questão no âmbito da poética de Mário de Andrade.

“Portugal Encalacrado ou o Silêncio de uma Geração”, de Daniel Conte, através da análise de Os cus de Judas, de Lobo Antunes, evidencia a instauração de um processo de esvaziamento do espaço íntimo do indivíduo português que participou da Guerra Colonial, iniciada em 1961, em Angola.

Por fim, os textos abaixo apresentam Resenhas das obras a seguir.

EAGLETON, Terry. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 2005. Depois da Teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo, resenhado por Fábio Prikladnicki.

GUIMARÃES, Eduardo J. Campinas, Ed. Pontes, 2002. Semântica do Acontecimento: um olhar sobre as cidades, seus nomes e suas práticas políticas, resenhado por Gesualda dos Santos Rasia.

ROSEN, Charles. Campinas, Ateliê Editorial/Ed. da UNICAMP, 2004. Poetas Românticos, Críticos e Outros Loucos, resenhado por Débora Racy Soares.

Assim, este número 2 da Revista CONEXÃO LETRAS, que aborda relações entre Discurso e Identidade, está composto por artigos elaborados a partir de diferentes linhas teóricas, tais como a Análise do Discurso de linha francesa, a Sociolingüística, a Teoria derrideana, a Semântica marrista, a Semântica da Enunciação, os Estudos Culturais.

Nosso objetivo, ao reunirmos textos que exploram a questão da identidade desde uma perspectiva histórica, ou desde a contemporaneidade, consistiu em apresentarmos um quadro, mais ou menos sintético, de tendências teóricas a partir das quais a temática da identidade tem sido investigada nas áreas de Estudos da Linguagem e da Literatura. Deste modo, tanto no âmbito da teoria como da prática analítica, buscamos privilegiar a heterogeneidade, considerando, sobretudo, o fato de que é através de percursos teóricos de complexidades distintas que se tem acesso aos múltiplos eixos epistemológicos norteadores da pesquisa em torno de questões que envolvem processos identitários.

A Comissão Editorial

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