Número 01: lingüística, literatura e história

Apresentação

Um dos motivos de revitalização contínua da Universidade é, sem dúvida, a grandeza do espaço que ocupa a pesquisa e a troca de idéias com suas discussões, suas dissonâncias, suas polêmicas. Por outro lado, as formas de ideologização do modo de produção dos saberes acadêmicos acabam transformando a atividade intelectual, não raro, em um trabalho isolado, solitário e, sobretudo, compartimentado. Os efeitos desse processo concretizam-se, no cotidiano da Universidade, através da segmentação entre áreas de conhecimento, via disciplinaridade, do desconhecimento do objeto de pesquisa e da produção científica de nossos pares. Daí o incansável movimento de reversão desse quadro: buscar novas pontes de articulação entre campos disciplinares, criar novos laços interinstitucionais, fragilizar a massificação das hegemonias globalizantes que reduzem o produto do trabalho científico a saberes caricaturais.

Assim, justifica-se a necessidade de se criar novas e sólidas pontes entre os saberes - de texto para texto, de universidade para universidade, de país para país. Eis como a articulação, o diálogo sistemático entre os intelectuais pode vir a transformar as circunstâncias vigentes.

Foi pensando nisso que o Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul vem oferecer uma possibilidade concreta de conexões entre Estudos da linguagem/ Estudos da literatura e as mais variadas áreas do conhecimento, colocando à disposição do meio universitário e seus pesquisadores a revista que ora apresentamos.

Na secção de artigos apresentamos os textos que seguem.

"O Dialogismo e a Paleontologia da Linguagem: o círculo de Bakhtin na episteme soviética (1920-1930)", de Serguei Tchougounnikov, reporta-se ao período do regime stalinista, colocando em contraponto as bases da teoria marrista e os fundamentos filosóficos e sociológicos produzidos, à época, pelo Círculo de Bakhtin.

Jean Puyade narra, em "Benjamin Péret: um surrealista no Brasil (1929-1931)", a estada do poeta francês Benjamin Péret no Brasil e seu posicionamento diante das discussões estético-ideológicas da época.

" Las Traducciones de El Lazarillo de Tormes a La Lengua Inglesa", de Beatriz Rodriguez Rodriguez analisa o processo tradutório da novela espanhola, publicada no séc. XVI, com vistas a caracterizar as especificidades de estilo que este texto apresenta em diferentes épocas.

Rita Schmidt, partindo do conceito romântico de nação como espaço de estratégias político-discursivas de constituição da noção de sujeito universal e homogêneo pressuposto da identidade como nação, examina, em "The nation and its other", algumas implicações entre narratividade, determinantes ideológicos e exclusões na fixação de scripts de gênero e raça que operam na base fundacio que operam em romances canônicos brasileiros do século XX.

Em "A cultura do livro e o visível: o romantismo como ponto referencial da modernidade", Michael Korfmann demonstra como o romantismo, tanto em relação aos processos histórico-sociais como em relação às reflexões poéticas, designa os contornos da literatura e da sociedade moderna.

"Fuga e Resistência: o caso das fugas dos escravos na cidade de Campinas entre 1870 e 1880", de Ana Josefina Ferrari, trata do modo como o escravo é discursivizado pela imprensa Campineira e das condições de subjetivação deste a partir de estratégias de resistência.

"Entre a História e a Ficção: a escrita de um novo olhar em Seara de vento e Levantado do chão", de Michele Dull Sampaio Beraldo Matter trata de aproximar dois romances de mesma geografia e mesma perspectiva social, investigando a voz dos excluídos da História.

"Alegoria medieval: onde se situa a poesia de Charles d' Orléans?", ensaio apresentado por Luana C. Benedetto, discute a alegoria medieval, voltando-se para o exame do recurso alegórico na obra de Charles d' Orléans. O autor do texto apresenta a tradição alegórica no Ocidente, a partir do Roman de la Rose, discute os tipos de alegoria para, então, situar Charles d' Orleans nessa tradição.

Maria Luíza Ritzel Remédios, em "História e Ficção: O Diário de Getúlio Vargas", observa as relações entre história ficção ao mesmo tempo em que se discute a questão do gênero autobiográfico e o grau de literariedade de um diário pessoal.

Em "O (re)contar da história em Viva o Povo Brasileiro", Liliam Ramos da Silva trabalha as teorias pós-coloniais na América Latina, discutindo conceitos de nação e identidade.

Por fim, Conexão Letras apresenta as resenhas de O animal que logo sou, de Jacques Derrida, e Quando a tradição encontra a modernidade, de Ricardo Daunt, escritas, respectivamente, por Tani Jacobsen Previtz e Pedro Gonzaga.

O PPG-Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul entrega, agora, à comunidade acadêmica nacional e internacional, importantes reflexões sobre História/Estudos da Linguagem e História/Estudos da Literatura, buscando, assim, proporcionar a visibilidade e o diálogo necessários ao conhecimento em suas distintas dimensões numa época em que a prioridade documental, contraditoriamente à condição de "fixidez" do registro escrito, tem, não raro, apagado os vínculos entre os saberes e seus alicerces históricos.Daí por que a relação com a História se faz presente nas diversas áreas e em todos os continentes.

Assim, as colaborações vindas de grandes centros acadêmicos da Rússia, França, Espanha, Portugal e Brasil vêm mostrar que a Universidade é, fundamentalmente, o lugar da multiplicidade de idéias, as idéias que Conexão Letras 1 abriga e oferece ao leitor.

A Comissão Editorial

>> voltar